segunda-feira, 14 de abril de 2008

A felicidade só é real, quando compartilhada.

Minha prima insistiu que eu visse esse filme, foi sutil, mas persistente. Não há quem não saia da sala de cinema mexido, sensibilizado seria mais do que natural. Filmes como esse, eu considero como bons. Fazem-me refletir no ser e estar no mundo. Não ignoro os clichês. Imagens de road movie: personagem com mochila nas costas, braços estendidos no topo da montanha com um travelling girando em seu em torno, música envolvente com letra melosa, imagens de lugares poucos vistos, encontros que marcam e modificam o comportamento dos personagens (Bagdá Café que o diga).., sim, isso tudo está lá. Mas não há como ignorar e não ficar sensibilizado com esses clichês. Não vou assistir ao filme apenas para observar a sua linguagem, a sua trilha, o jogo de câmera... tudo isso deve ser, para mim, componentes de seu objetivo principal, contar a história e de nos sensibilizar. Conseguiu, pontos para ele.

Fez-me lembrar de outros road movies, principalmente “História Real” (The straight story) de David Lynch. Em comum, filmes que se baseiam em uma história real em território americano, mas, diferentes nas idades dos personagens, Chris tem 23 e Alvin 72. No caminho do seu objetivo/destino, encontros. Enquanto um procura a liberdade no aspecto político e emocional o outro procura a redenção, que não deixa de ser uma liberdade também.

Into the Wild, “Na Natureza Selvagem”, 2007, não é o primeiro filme do ator-diretor Sean Penn. O filme conta a história de um rapaz, Chris, recém saído da faculdade que larga tudo (família e sociedade, principalmente) para ir ao encontro da Liberdade. Ele acha que a encontrará no Alasca, e esse é o seu objetivo. Leva consigo alguns livros (Tolstói, Byron, Thoreau entre outros autores), alguns conhecimentos que vai adquirindo por meio das pessoas que vai encontrando pelo caminho e utensílios para a vida na natureza. Caça, pesca, acampa, navega, trilha, escala... passa frio, fome, calor, e essas experiências são registradas em forma de diário.

O que nos faz sensíveis a esse filme, são os vínculos que ele vai estabelecendo conosco. Uns maiores e outros menores, e diferentes para cada um de nós. Certa vez, a pouco tempo, escrevi um texto, e, como é de meu feitio, mandei para algumas pessoas. Poucas pessoas. Não esperava sensibilizar ninguém, era apenas o registro de uma experiência e procurei não estabelecer nenhum tipo de valor ao que era narrado, pois esperava uma resposta de avaliação do fato. Procurei ser objetivo, frio e impessoal. Uma das pessoas para quem enviei, encontrou comigo e me abraçou, disse que ficou sensibilizada e que eu deveria escrever um livro. Ora, o que aconteceu foi que por mais que eu tenha sido impessoal, essa pessoa já possuía vínculos comigo de afeto, ou compartilhava as minhas experiências ou, mesmo, comungava de experiências similares as minhas.

Os encontros de Chris nos emocionam porque estabelecem vínculos com as nossas experiências de vida e as nossas percepções do mundo em que vivemos. Mas o que mais chama a atenção para o filme é a coragem e despojamento de encarar as dificuldades e seguir em frente em busca de um objetivo. Não levo em consideração o motivo ou causa – de revolta ou não – , mas, mais do que tudo, a motivação de realizar um sonho, um desejo, a busca do encontro. O encontro com ele mesmo. E os meios utilizados nunca são de violência, raiva ou deslealdade, a busca pela liberdade é por meio de amor, fraternidade, amizade, compaixão, superação, obstinação e honestidade.

São várias as citações, frases de efeito, que o filme vai-nos oferecendo. Infelizmente, eu não me lembro de muitas. Lembro-me da citação para o último encontro, com um velhinho que perdeu, quando jovem, a mulher e o filho num acidente de carro enquanto lutava na 2ª Guerra Mundial. Chris, com a maturidade de um jovem de 23 anos, fala para o velhinho que não devemos esperar encontrar a felicidade nas relações humanas, a felicidade está em todo lugar e principalmente nas coisas espalhadas pelo mundo (era mais ou menos isso). Provavelmente fruto da sua decepção familiar. E o velhinho devolve ao vê-lo partindo: vá em frente, fuja para o Alasca.

Somos seres com raiz por nascermos em uma determinada família, possuirmos uma determinada língua e cultura, mas ao mesmo tempo somos seres de abertura. Ninguém segura os nossos pensamentos ou as nossas emoções.Estamos sempre dispostos a mudar, a alterar, a superar e a contestar. Procuramos.Sonhamos para além daquilo que é dado e feito, sempre acrescentamos algo ao real.É da essência humana.

Por isso somos seres errantes, em busca de novos mundos e novas paisagens.O ser humano é um projeto ilimitado, transcendente, não dá para ser enquadrado. Ele pode, amorosamente, acolher o outro dentro de si. Pode servi-lo, ultrapassando limites, mas é só na liberdade que ele o faz, é só quando decide a isso, sem nenhuma imposição.

O filme, apesar do seu fim, nos estimula para irmos ao encontro de nossa verdade, de nossos verdadeiros princípios e fazer-nos questionar a vida que levamos, seja ela boa ou ruim.

Não deixem de assistir o filme.