domingo, 27 de maio de 2007

ABCdário

Aqui, eu começo os textos da viagem que fiz em outubro. Para ficar um pouquinho diferente, escrevi de forma de ABCdário. Viajei por 30 dias pela Espanha e Portugal.

ACHAR. Achar qualquer coisa na Europa é muito difícil, principalmente EURO. Nem um cent! Um dia, estava precisando de uma moedinha para completar uma passagem de auto-carro (ônibus), evitando, assim, de usar uma nota de 20 ou 50. Nada! Não teve jeito. Para não dizer que nao achei nada, achei a entrada da boate (de uma outra pessoa), que dava direito a um drink. Procurei o dono da entrada e devolvi. O meio faz a pessoa, e mesmo que não fizesse, sou assim por naturaza. Outra coisa que achei, e que nao valeu de nada, foi um piruzinho de papel… nao servia para nada mesmo.
AMBROSIA é uma loja de produtos conventuais da idade média que visitei em Girona. Doces dos Deuses. Foi nessa loja que encontrei um dos poucos simpáticos espanhóis pela viagem. A loja dava o clima do lugar.

BAIRRO ALTO. Ao Bairro Alto fui muitas vezes, a noite e de dia. De dia não se tem muito o que fazer. Mas descobri algumas lojinhas muito interessantes por lá. Destaco duas. A primeira delas é dedicada a um tipo de fotografia com uma máquina especial, uma espécie de Polaroid com um recurso gráfico. É um pouco difundida pela Europa e tem lojas especializadas vendendo-as e, na altura, estavam fazendo um concurso entre seus proprietários. Devo ter perdido o papel com as referências da máquina e, agora, não sei informar o nome, sei que ficava na Rua da Atalaia. Foi lá, que pela primeira vez, tive contato com as publicações – sobre eventos, moda, agenda …sobre tudo – que são distribuídas gratuitamente em alguns bares, restaurantes e lojas. Escreverei delas mais adiante.

A segunda loja, também na Rua Atalaia, chamou-me atenção pelo desenho de seus personagens estampados nos mais diversos objetos (t-shirts, canecas, marcadores de livro, chaveiros, blocos etc). Coisas com história tem a proposta de promover um Portugal tradicional, com seus personagens mais famosos (Camões, Eça, Fernando Pessoa, Amália), outros nem tantos (Camilo Castelo Branco, Beatriz Costa, Almeida Garret), personagens do povo (galo de barcelos, alcoviteira, fidalgo, frade, enforcardo) e os pontos turísticos de forma jovem e divertida, criando, assim, interesse pelo passado de forma revigorada. Vale a pena saber mais da proposta dos seus responsáveis, acessem o site http://www.coisascomhistoria.com/ . Segundo eles: Estamos no presente, a fabricar o futuro, com o exemplo do passado.

A noite, é outro história. As pequenas ruas do Bairro se abrem para a juventude bonita e cosmopolita de Portugal. Fiquei impressionado com a beleza daquele povo e me arrependi de não ter tirado mais fotos. Principalmente de uma bela arquiteta que já esteve a trabalhar aqui no Brasil. Passei por vários cafés, bares, boates e restaurantes. Alguns eu recordo o nome: ar puro (onde não se fuma), arroz doce, lei seca (http://www.leisecabar.com)-/ entrem nesse site e escutem a música, é o bom brasil invadindo a Europa por Portugal - , mezcal, favela chique, janela d’atalaia, sétimo céu... Mas foi num bar com decoração a Jazz, que não recordo o nome, que os amigos Miguel e Mônica nos levaram. Sim... nos levaram, porque nesse dia tive a visita surpresa de outro amigo, Rogério. Fomos os 4 para o Bairro Alto, mais uma vez, tomar uma “caipirinha”. Lá encontramos uns amigos do casal que moram em Nova York, fazendo o mesmo.

Logo quando cheguei, Miguel, Mônica e Sara levaram-me para jantar no Bairro. Fomos a um restaurante bem típico, nada de decoração moderna. Gambas foi o meu prato. Mas o que ficou na minha memória degustativa foi o doce alentejano, Pão de Rala. No dia seguinte, sozinho na capital, voltei ao Bairro à noite, e fiquei na porta do Bar Portas Largas. Como o próprio nome diz, as portas são largas e da rua pode-se ficar assistindo o que estiver passando no telão. E, nessa noite, tive a companhia de Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown e seus Tribalistas. Nessa noite não me senti só no Bairro Alto. Aliás, diga-se já, a música brasileira é muito escutada em Portugal, e Marisa monte é um nome conhecido em algumas cidades por onde passei ou por onde tive contato com seus moradores, como: Lisboa, Porto, Barcelona, Madrid, Paris e Viena.

BANHO. Tomar banho, para nós dos trópicos, é imprescindível. E não caiam na besteira de falar que os europeus não tomam banho. Eu tenho outra tese para o mau cheiro que às vezes assola as nossas narículas dentro do metro, auto-carro e mercados. Mas, banheiro e, principalmente, o banho são capítulos à parte nessa viagem.

Assim que cheguei no velho continente, depois de ter resolvido o meu problema da bela recepção na cidade alemã, Frankfurt, fui para o hotel indicado pela Varig para passar a noite que não tinha previsto. No banheiro do hotel deparei com um vaso sanitário limpo e moderno. Percebi que quando sentava, as perninhas ficavam balançando. Os meus pés não chegavam confortavelmente até o chão. Alemão é grande, né gente? Mas, em compensação, na banheira, quase que encostava a cabeça no teto. Por que será? Por que essa diferença de parâmetros entre as duas alturas do banheiro?? Será que na hora do banho o alemão reduz a sua altura? Sabe como é a tecnologia do velho (¿) continente ( esse computador tá maluco, adotou os parâmetros da escrita española, será que é conspiração?). A resposta vem logo. Entrei na banheira para tomar banho e me deparei com um dos problemas mais recorrentes da viagem. Já sabia do costume do povo europeu em tomar banho com ducha e sabonete líquido (você não encontra sabonete em barra, apenas nos hotéis). Isso para mim não seria problema. O misturador, também, já não era novidade. Em todos os banheiros que fui – escrevo TODOS -, o misturador era aquele com apenas uma “manivela” que ao girar para direta temos água fria, para esquerda água quente e para cima muita água. Um luxo! Tudo bem. Liguei a torneira e só saía água para banheira. E como não sou estrela de cinema e nem Rita Lee acostumada a tomar banho de espuma, procurei uma maneira de tornar a ducha um chuveiro. Chuveiro Baixo, deixa-se claro. O suporte para ducha já havia encontrado, mas como fazer a água sair pela ducha e não pela torneira da banheira? Para não ser pego desprevenido, com um jato de água fria nas costas, não coloquei a ducha no suporte, deixei-a onde estava, apoiada na torneira. Vi um pininho, bem em cima da torneira, tratei de apertá-lo e, mais do que de repente, a ducha tomou vida, num salto lançou-se ao ar como uma serpente Naja me atacando a cara. Com a pressão da água, a ducha tomou vida e me jogou ao chão da banheira. Por sorte não me machuquei. Lição número um: nunca fique muito perto do problema a ser resolvido, tome um certo distanciamento, assim a sua análise poderá ser mais abrangente e não correrá riscos.

Por todos os banheiros que passei alguns me chamaram atenção. No próprio hotel de Frankfurt, no banheiro do Lobby, para cada mictório um cinzeiro. Isso mostra como o povo gosta de fumar. E no banheiro da rodoviária de Caldas da Rainha, cidade que parei a caminho de Óbidos (Portugal), não tinha vaso sanitário. Apenas um buraco e dois lugares para colocar os pezinhos. Isso deve ser para fortalecer as coxas do povo e deixar o bumbum como o dos (as) brasileiros (as), empinadinho.

BARCELONETA.De um polo ao outro, passamos, agora, para Barcelona, Barceloneta. Barceloneta, pelo que entendi, é um bairro com umas dezenas de quarteirões todos rigorosamente ordenados. Próximo a praia, onde temos um local com mesmo nome, não seria nada demais, se não estivesse, no dia em que passei por ela, toda enfeitada.

Era domingo, dia 1 de outubro, o povo de Barcelona estava extasiado com uma apresentação na praia da frota de aviões de caça de sua forças armadas. Os aviões rasgavam o céu e faziam um barulho que interrompia a tranquilidade que o céu e o mar nos proporcionaria. A extensão de toda a praia estava ocupada pelas pessoas olhando para o alto, parvos, admirando as manobras dos aviões.Voltando a tranquilidade das ruas de Barceloneta, em cada uma delas, uma decoração diferente. Em cada uma, uma festa diferente. Enfeitaram as ruas, colocaram mesas e uma mesa central onde serviam as comidas, mais ao fundo um palco. Assim, eles comemoravam o dia de sua padroeira.

BARRIGA. Por incrível que pareça, os europeus não tem problema com a barriga. Seja homem ou mulher, a maioria tem a sua. Levemente proeminente, diga-se já. O alcaide de Madrid, por exemplo, proibiu que modelos demasiadamente magras desfilem em eventos de moda. E, em outra esfera, na França há subsídios para que as mulheres aumentem a barriga e, passado 9 meses, ajudem a gerar uma população mais jovem. Isso tem dado resultado, e o índice da taxa de fertilidade das francesas aumentou, é o que eles estão chamando de Baby Boom.

BICI. É assim, de forma reduzida, que chamam a bicicleta em Sevilha. Foi em Sevilha que andei de Bicicleta com Taciana e Giuliano. Foi uma sensação boa, estar andando pelas pequenas ruas e grandes avenidas de Sevilha. A tardinha até anoitecer, andei pelas ruelas do Bairro Santo Cruz com sua arquitetura típica, entrei pela Avenida Menédes Pelayo, e atravesei o Parque Maria Luisa e parando em frente a Praça de Espanha para admirar a noite… foi muito bom.

BONIC. Em Barcelona, fiquei hospedado no charmoso hotel Bonic, do amigo Fernando. Fernando foi um dos bons contatos que estabeleci antes da viagem. Fora ele, tive contato com a Sara em Lisboa, Pedro no Porto e Jack em Madrid. O Bonic, como já tinha dito, é a extensão de nossa casa. Simples e aconchegante, cuidadosamente decorado. Tem aspecto refrescante e iluminado. Não são mais do que 15 quartos, todos distintos em sua decoração. Cores levemente cítricas dão a energia suficiente para restabelecermos a “gana” depois de um dia de muita andança. Era uma sensação maravilhosa quando chegava da rua e abria a porta do Bonic. O frescor e o aroma que o ambiente proporcionava era um bálsamo depois de um dia estafante.

O atencioso Fernando, junto com a Macarena, e a eventual ajuda do Richard, mantem o Bonic sempre um brinco. Logo cedo, tomava o meu café da manhã, com pão, queijo, presunto, iogurte, bolinho ou um croissant recheado com choclate, fruta (abacaxi ou melão), suco de laranja, café ou chá, ao som de música brasileira (Bebel Gilberto era a que mais tocava). Acessava a internet e depois ia para a rua. Nossa!! Era muito bom.

Dê Graças a Teresa

A vida de solteiro, também, tem a sua dose de casado. Não se pode fugir das responsabilidades domésticas, por menor que sejam.

Quem já não teve uma história, ou um problema, para contar sobre essas personagens, atire o primeiro pano de prato. Haja visto o programa de TV, “Diarista”, protagonizado por Claudia Rodrigues como Marinete e muito bem coadjuvado por Dira Paes como Solineuza, ou o longa “Domésticas”, com as personagens: Quitéria (aliás, é a cara da minha primeira diarista), Roxane, Raimunda, Cida e Créo. Eu, por menos ainda, tenho duas pra contar, uma de cada uma. Uma de Graça e outra de Teresa.
Graça vem primeiro. Ela era diarista da minha mãe e foi trabalhar lá em casa. Sempre muito dedicada com o filho da Dona Augusta, fazia o seu serviço de modo simples e humilde, por vezes, quebrando alguma coisa sem me contar, até que um dia, por conta de um problema de saúde, parou de trabalhar.
Nessa época, dividia um apartamento com um amigo. Cada um tinha as suas despesas: supermercado e telefone, fora as contas em comum: aluguel, condomínio, luz e gás. Um dia, esse meu amigo venho contar-me que estava achando estranho a sua conta de telefone, o valor estava alto. Passou um mês, e a conta novamente apresentava um valor alto e com números de celulares desconhecidos. A primeira providência foi colocar um cadeado e depois falar com a Graça.
A Graça – apesar de sermos dois no apartamento – sempre reportava-se a mim. Era eu que a recebia quando chegava pela manhã e que lhe pagava. Talvez, por isso, tinha por mim, consideração extrema. Sempre quando eu ia fazer qualquer reclamação ou observação, fazia sempre com muito cuidado. Mas parece que o cuidado era desnecessário. As diaristas e empregadas domésticas parecem ter uma conduta “muito particular, um mundo próprio, eu diria, onde suas leis, por mais ingênuas e desinteressadas de qualquer vantagem, nos são sempre muito inusitadas.
Bom, nesse dia fui, com muito cuidado, coloquei a situação de forma a não constrangê-la. Mencionei o fato da seguinte maneira: disse-lhe que havíamos observado um aumento na conta telefônica e que achava estranho. Muito tranqüila e resignada, tentando justificar o motivo do uso, explicou a situação de emergência que havia ocorrido. Sua filha estava no hospital e precisava falar com ela ao telefone (uma ligação pelo celular durante meia hora). Mas, imediatamente, de forma a tranqüilizar-me, como se fosse revelar-me um segredo, aproximou-se e disse: “mas fique tranquilo, não usei o seu não, usei o do outro, tá?” Ahh! Tá bom! Como um cão fiel, tentou me poupar, colocando no outro a sua despesa.
Teresa chegou, lá em casa, por indicação de uma amiga pernambucana que trabalha comigo. Nessa época, já tinha me mudado e morava sozinho, agora só na companhia de Joachim. O meu chow-chow. No início, trocava sempre o seu nome, chamava de Graça. Ela não se importava e nem me corrigia.
Começou muito bem, fazendo gelatina sem eu pedir, mas bastou elogiar que na semana seguinte não havia mais gelatina na geladeira. Nunca observei nada quebrado, mas fora de lugar, sim. No dia que ela ia, assim que eu chegava em casa, tinha o trabalho de colocar as coisas no lugar. Não adiantava falar como deveria ser feito, corria o risco das coisas não serem limpas. Fiz uma vez uma observação com relação às roupas que ela passava, pedi que não colocasse mais de uma calça no cabide, pois levava muito tempo procurando. Passaram duas semanas e perdi as calças novamente.
Um dia, reparei que ela substituíra o sabonete no box. Poxa, que capricho – pensei. Não comentei com medo de afugentar o capricho. Na semana seguinte, mais uma vez. O sabonete novinho, fresquinho, virgem. Comecei a pensar que os sabonetes eram vagabundos e que gastavam rápido, ou será que eu tomava muito banho? Na terceira semana, mais uma vez, mas dessa vez, ainda havia um resto de sabonete usado. Achei estranho.
Por fim, na quarta semana, um bilhete explicava tudo. No bilhete estava escrito, entre outras coisas, o seguinte : ‘... estavam faltando 2 embalagens de sabonete para eu conseguir uma sandália na promoção. Com 5 embalagens e mais 10 reais ganho uma sandália. Assinado Teresa”. Custou um pouco para cair a ficha, fui até o banheiro e, no box, ainda o sabonete da semana passada. Aí lembrei de procurar no armário, e encontrei, devidamente empilhadinhos, os dois sabonetes sem embalagens.
Nada é por capricho e tudo tem uma razão de ser.

Man, Uau! Sex Uau! – Prolegômeno

Essa semana chegou aos meus ouvidos, e olhos, algumas frases interessantes sobre a sexualidade. Sexualidade masculina e feminina... gostaria de compartilhar com vocês, caros amigos e amigas.

Segundo uma Teenager:“Vestibular é como sexo, não importa a posição (lista de classificação) o negócio é estar lá dentro.”

Botão e painel
O filme sobre o novo comportamento sexual da carioca, que Euclides Marinho está finalizando, tem como possível título “Sexo oral” e o subtítulo “Por que o homem é um botão e a mulher é um painel de controle”. A frase foi retirada do depoimento de uma das entrevistadas. Resume a simplicidade do mecanismo sexual do homem (o botão da ereção que deflagra tudo) e a complexidade do painel feminino, com suas luzinhas sinalizando carências e desejos em todas as direções.

Ratificando o texto acima, da objetividade masculina e complexidade feminina, Jabor, nessas duas últimas semanas, vem discorrendo sobre o sexo solitário (ou solidário?), segue o texto: "A mulher de borracha é uma metáfora analógica; já o vibrador é uma metonímia digital - a parte pelo todo. A mulher de borracha nos angustia com sua presença incômoda, ela nos inquieta, mesmo esvaziada no fundo do armário, como uma ocultação de cadáver. O pênis digital, não: ele tem vida própria, não tem inconsciente, não tem desejos e manias."

Essas vieram de Portugal:
As leis mais loucas do mundo No Líbano, os homens podem, legalmente, ter relações sexuais com animais, mas tem que ser fêmeas. Relações sexuais com machos é punível com a morte (Paneleirices é que não ! )

No Bahrain, um médico pode, legalmente, examinar a genitália feminina mas, para ele, é proibido olhar directamente para ela, durante o exame. Pode, apenas, olhar através de um espelho ... ( grandes artistas... )Os muçulmanos não podem olhar os genitais de um cadáver. Isto também se aplica aos funcionários da funerária. Os órgãos sexuais do defunto devem estar sempre cobertos por um tijolo ou por um pedaço de madeira ( um tijoooolo, carago ! )

A penalidade para a masturbação, na Indonésia, é a decapitação (PORRA !)

Há homens em Guam cujo emprego em tempo integral é viajar pelo país e desflorar virgens, as quais pagam pelo privilégio de ter sexo pela primeira vez. Razão: Pelas leis de Guam, é proibido a virgens casarem (onde é que fica o Guam ??? )

Em Hong Kong, uma mulher traída pode, legalmente, matar o marido adúltero, mas deve fazê-lo apenas com as mãos. Em contrapartida, a amante pode ser morta de qualquer outra maneira...

Em Cali, na Colômbia, uma mulher só pode ter relações com o marido e, a primeira vez que isso ocorre, a mãe deve estar no quarto para testemunhar o acto (já não bastava a chatice de ter que gramar uma sogra , ainda tem de ir mandar palpites naquele momento - como se come a filha !... ).

Quem não tem o seu sassarico?


Sassaricando, composto por 89 marchinhas organizadas por temas, enaltecendo ainda mais as suas letras, é um musical delicioso. Com pouco texto, mas com um conjunto de músicas que contam uns 60 ou 70 anos da história do Rio de Janeiro e, principalmente, do seu Carnaval. Uma equipe de primeira que aproveita muito bem a nossa música... isso tudo a Bárbara já disse. Mas o que será que ela não disse?

O que ela não disse, e nem poderia dizer, sai guardado dentro de cada um. Antes mesmo de levantar para aplaudir o espetáculo, na hora que os cantores cantam a penúltima música, “Sassaricando”, o público esquece os problemas e se veste de alegria. Lembranças de histórias, lembranças da vida dos anos 50, onde as letras maliciosas – que hoje para nós soam como ingênuas – eram proibidas as meninas direitas de cantar.

Chiquinha Gonzaga deu o seu “ó abre alas” as marchinhas, em 1899, gênero que só foi criado nos anos 20. Quem, assim como eu, que já passou dos 40, ou mesmo a molecada dos 20, não conhece alguma marchinha? A leveza, alegria e irreverência dessas músicas nos levam a um período que não existe mais. Não estou falando do Carnaval de rua, mas do espírito alegre e ingênuo que as músicas tinham. Verdadeiras crônicas bem-humoradas de nossos dias.

Muitas das músicas estão no meu imaginário. “Cadê Zazá ?... Cadê Zazá ?... /Saiu dizendo, vou alí, e volto já, / Mas não voltou porque ? Porque será ?/ Cadê Zazá, Zazá, Zazá ?” ou “Linda pastora / Morena da cor de Madalena/ Tu não tens pena / De mim que vivo tonto com o teu olhar / Linda criança / Tu não me sais da lembrança / Meu coração não se cansa / De sempre e sempre te amar” e a poderosa “Eu fui as touradas em Madri /Para tim bum, bum, bum /Para tim bum, bum, bum /E quase não volto mais aqui /Para ver Peri beijar Ceci /Para tim bum, bum, bum /Para tim bum, bum, bum”. São maravilhosas.

O espetáculo guarda algumas surpresas, como o novo arranjo para “Alá-lá-ó”, interpretada pela Juliana Diniz, neta de Monarco. É muito engraçado. É o próprio espírito irreverente desse gênero musical. Assim como, marchinhas desconhecidas para mim:“Infelizmente” e “ Não sou Manoel”, por exemplo. Os arranjos de algumas músicas são novos, liberdade que esse gênero permite. Parabéns para o diretor musical e arranjador, Luis Filipe de Lima.
Os cantores, Pedro Paulo Malta e Alfredo Del-Penho, novos para mim, são uma grata surpresa. Interpretam na medida certa as marchinhas. Sabrina Korgut é uma excelente cantora e ainda demonstra os seus dotes de bailarina para cantar “ Lig, lig, lig, lê”. Não tenho o que falar de Soraya Ravenle. Impecável. Eduardo Dussek é uma estrela. Quando ele entra algo acontece. Ele enche o palco. Possui mais carisma e empatia do que todos, mas isso não o faz melhor... não mesmo.

O meu único senão, vai para o figurino. Não sei. Fiquei na dúvida se gostei ou não. Muito pano e luxo, para um gênero tão leve e pueril. Parece-me que quiseram vestir as marchinhas para uma festa de gala, mas elas estão mais para um baile do bola-preta. Não atrapalha, até dá um brilho, mas analisando mais profundamente, achei fora de contexto. O contra-ponto vai para o baú, esse sim merecia um cuidado especial. Cenográfico demais, deixando aparente as suas estruturas, um forrinho não era má idéia.

O que mais de especial esse musical desperta, são as senhorinhas de seus mais de 70 anos, acompanharem os cantores, fazendo um coro improvisado. Tá certo que me juntei ao coro também, isso não foi privilégio apenas delas. Não precisava pedir, elas acompanhavam sem pedir licença. As mais educadas esperavam o comando, a permissão, de um dos cantores para acompanhá-los, e, normalmente, vinha do Dussek.

É um espetáculo obrigatório. Um pedaço do nosso Rio de Janeiro, por vezes tão mal-tratado, que ainda possui a alegria de se viver.

Pequeno grande homem triste

Se não me falha a memória, no ano passado, no começo do ano, escrevi um texto em que dizia que acordei me sentindo um Cary Grant. Inspiração pura. Não tenho mais esse texto, quem puder recuperá-lo para mim, eu agradeço. Aliás, recuperar foi o que mais marcou o meu fim de ano.

Todos sabem que sou movido a lembranças, memória e reminiscências. Segundo Platão, lembrança do que a alma contemplou em uma vida anterior, quando, ao lado dos deuses, tinha a visão direta das idéias. Bonito. Nesse fim de ano, fui recuperando algumas coisas e, sintomaticamente, perdendo outras, mas, logo em seguida, dando conta de seu paradeiro. Coisa estranha. Recuperei meus amigos Teresianos : André, Luiz Alberto, Ana Paula Barbosa, Claudia Belsito, Claudia Mendes, Andréa Ernesto, Isabela, Gisele, Adriana, Kátia Klein, Cristiane, Anete, Nyeta, Marcelo Henriques e, já no finalzinho, a menina Carinho, Márcia Menezes. Uma grande amiga da Faculdade, Cristina Behar, apareceu subitamente a caminho do chuveiro na praia. Jô Frazão mandou um email. Lídia estava feliz porque o gás estava funcionado no frio londrino. Parece que estava em sintonia com o passado, presentificando o meu futuro. Perdi um casaco, mas a Ana Carla achou, perdi documentos pela minha desorganização, mas a minha esperança deu cabo de encontrá-los, perdi o meu japa mala (terço indiano), no último dia do ano, mas o acaso me permitiu um novo encontro.

Ainda, no ímpeto de recuperar, recuperei uma coisinha que estava adormecida no meu coração, na minha alma, na minha existência: a confiança. A confiança no outro, no meu par, no meu semelhante. Ainda me sentindo ludibriado, me deixe enganar para ter esperanças e me sentir melhor.

Certa vez, num fim de semana, sai da sala de cinema me sentindo o próprio personagem. O filme era “Nem tudo é o que parece” (bem apropriado o título), o ator, Daniel Craig. Sai da sala como ele: imponente... destemido.

Essa manhã, acordei não me sentindo mais um Cary Grant. Fiz o spinning matinal (como isso é bom) e chegando em casa, tirei a camisa, me olhei no espelho e me senti bem. Até aquelas gordurinhas localizadas se reuniram num só volume tornando-se compactas duras e uniformes, formou uma armadura ... musculatura condensada. Disse: você está bem rapaz!

Botei uma calça azul que me cai bem, uma camisa verde água que combina com o azul escuro, um sapato preto, lavei o rosto, fiz a barba e moldurei o meu rosto com um ar misterioso de quem espreita todos atrás de uma lente escura. Saí de casa, estiquei o corpo (façam isso, as meninas também, estiquem o corpo o suficiente para que ele lhe dê mais um centímetro de altura e o suficiente para que a bunda não fique muito empinada). Arrumei a minha bolsa, coloquei no CDplayer Damien Rice, cantando aquela música cuja a versão está contagiando todos, e que chamo da melô do espelho. Escutei pela primeira vez no filme Closer. E, como um desses personagens de anúncio de cartão de crédito ou de carro, caminhei altivo, reto, impávido, impetuoso pela rua. Senti-me como um soldado urbano, fazendo revirar pescoços e derrubando adversários. Gerei cobiça, inveja e ciúmes. Rebati com desprezo. Com a cabeça imóvel, mas os olhos em permanente movimento, observava todos sem demonstrar a minha desconfiança. A boca cerrada, um risco, quebrada apenas com uma leve curvatura nos cantos, riso cínico e voluntarioso. Com um escudo invisível, abria o caminho através da horda urbana, um caminho imaginado, tornando a minha passagem livre e sem obstáculos. Os meus olhos ninguém via. O olho é a nossa alma, ele revela o que sentimos, o que somos e o que queremos. Ele pode ser o nosso calcanhar de Aquiles e, às vezes, uma arma fatal. Mas, hoje, eu tinha que protegê-los, os meus olhos me entregavam. Marejados... ceguinhos de choro. Eu era um pequeno grande homem triste e o caminho de uma lágrima me riscava o rosto.

Beijos a todos no coração

O dia que troquei uma esquizofrênica por uma maluca.



Agora é sério.

Voltava do trabalho para casa de metrô, como de habitual. Fui forçado a entrar no vagão das mulheres, aquele rosinha. Só entrei porque o sinal tocou e não tinha como entrar em outro. Quando entro nesse vagão olho sempre se conto com a presença de outros do mesmo gênero que eu. Acho essa lei uma besteira, mas procuro sempre ser respeitoso com tudo. Normalmente, nunca sento, vou em pé, mesmo nos outros vagões destinados a todos os gêneros, raças e religiões. Prefiro ficar em pé, para não passar o constrangimento de oferecer o assento para senhoras que se recusam encarar o peso da idade ou aquelas que me enganam com o peso da barriga.

Estava saindo mais cedo do que o habitual, ia para a pré estréia do documentário da esquizofrênica Estamira, mas antes passaria em casa. Quando, de repente, escuto uma voz: você poderia se levantar? Esse vagão é para as mulheres e eu estou caindo de cansada. Olhei... olharam... nos entreolhamos. Aquela pergunta não se dirigia a mim, mas a um rapaz sentado, que comia um sundae, e ao lado dos seus pés uma grande sacola. A mulher, loura com um rabo-de-cavalo, vestia uma saia preta com um casaquinho combinando, na mesma cor e tecido. Segurava uma bolsa e um livro. Nos pés, um sapato de bico finíssimo, com salto altíssimo, daqueles de matar barata em canto de parede. Isso me chamou a atenção. Não tinha elegância, mas não poderia dizer que era uma qualquer. Mais para torta do que pra bolo, ombros arqueados, olhares de pneu caído, rosto de chuchu e cara de bico. Ela tinha diploma e registro. Todos no vagão, ou pelo menos os mais próximos, que puderam escutar o pedido, ficaram surpresos. O rapaz, sem palavras, se levantou e gentilmente, sem comentário algum, cedeu o lugar. Mais surpreso fiquei em não escutar ao menos um obrigado.

Com uma certa indignação, cometei com o rapaz: você sabe que essa lei tem limite de horário. Imediatamente, ela retrucou : sim, até as oito horas, que horas são no seu relógio?Respondi um pouco sem graça: dez para às sete. É, a senhora tem razão. Mas que sapatinho bonitinho, heim?( foi inevitável). Ela: olha rapaz, eu sou advogada. Encabulado e colocando o meu rabinho entre as pernas, lamentei o comentário e lhe respondi: tudo bem, foi apenas um comentário.

Envergonhado permaneci, reparei que as pessoas no vagão riam e comentavam o ocorrido. Não queria saber se eram contra ou a meu favor. Sem jeito, sem graça, esperei chegar ao meu destino. Mas antes que ele chegasse, uma estação antes, veio até a mim o rapaz. Obrigado, disse ele. Não sabia que agora educação tinha diploma, continuou. Falei que ele tinha sido educado e que esquecêssemos o fato, pois já estava muito constrangido.

Ele se despediu e saiu. Continuei por mais uma estação. Quando a composição chegava na minha estação-destino percebi que ela se arrumava para se levantar. Não tinha o ar de cansada. Aproximei-me da porta junto com outras pessoas. Abriu a porta, atravessei e me caminhei até as escadas. Ela fazia o mesmo, um pouco atrás de mim. Nesse instante, aproxima-se de mim um outro homem, mas forte e com aspecto jovial. Perguntou-me: o que foi que ela falou para o rapaz? Expliquei. E ele: que mulher maluca. Alertei: ela está aí atrás. Ele: que se dane... maluca. Antes mesmo que conseguisse pisar o primeiro degrau, surge um dedinho batendo no ombro do homem que me acompanhava. Era ela. O que o senhor falou, perguntou. O senhor me chamou de maluca? Corajosamente o homem confirmou. E ela passou a descrever o fato da seguinte maneira: escuta aqui, eu fui operada 3 vezes da coluna (eis o motivo de ser torta) e eu não posso ficar muito tempo em pé (muito menos em cima de um salto agulha, pensei eu). Continuou: eu estava no vagão das mulheres e sentado num banco, um bichinha... epa! Auto lá! Imediatamente, parei e me voltei para ela. Tinha recuperado a razão que nunca tive e que, por um momento, dentro do vagão, a perdera. Repita o que a senhora acabou de falar, pedia-lhe. Caindo em si, a pseudo advogada, ficou levemente corada, sem coragem de me encarar. Evitava o confronto. Eu insistia, repita. Eu não tinha certeza do que havia escutado, mas diante de sua hesitação em repetir o que dissera ao homem, só me fazia confirmar que os meus ouvidos não haviam se enganado. Isso era preconceito. O garoto nem era bichinha. Estava difamando e sendo desrespeitosa. Vamos a polícia, quero prestar queixa, eu dizia (cacete, mas queixa de quê, eu pensava, diante de meu estado insano). Dessa vez, era eu que a intimava de forma direta e não velada como me havia feito dentro do vagão.

Já irritada, me chamava de maluco e que eu estava a perseguindo desde dentro do vagão. Pedia para sair da sua frente, e eu insistia que ela repetisse. Já transtornada, me empurrava e me lançava olhares ameaçadores de bacharel. Saia da minha frente – dizia ela. Se quiser passe pelo lado, disse-lhe. Foi quando, de uma forma descontrolada, me empurrou, e eu, de forma intuitiva, fiz o mesmo, reagindo a sua ação. Não me toque, gritou de forma furiosa e imperativa. Enfurecida, possuída de poderes judiciários, como se vestisse uma toga e tivesse na mão aquele martelinho,virou-se e me deu com o livro na cabeça, me chamando de maluco, novamente. Convenceu-me.Vesti a carapuça. Fiquei maluco. Agora tinha chegado ao extremo. Cadê o segurança? A senhora me agrediu, vamos para a polícia. Procurava ao meu redor algum segurança. Ela gritava que eu era maluco, o seu olhar já não era desafiador, mas frágil e de horror. Ela andava apressada a minha frente, como de quem fugisse de um algoz. Eu era o seu algoz. E eu insistia, espera, vamos falar com o segurança, quero prestar queixa, dizia. Ela fugia, apavorada, e se virava olhando os meus movimentos como quem foge de uma ameaça. Avistei o segurança, e pedi para ele segurar a mulher. Ele atônito, perguntava-me: pra quê? Quem iria acreditar que aquela senhora de pouca elegância, mas distinta, meio torta, pudesse ter feito algo a um quarentão com ares de garotão? Ele é maluco, estava sentado no vagão das mulheres e me chamou de maluca – repetia ela, já na escada rolante. Ela está mentindo, dizia para o segurança (aquilo, para mim, era pior do que a própria agressão).

Fui até a rua, seguindo-a, em vão. O segurança pedia para ela esperar. Ela dizia não ter tempo e estava com pressa. Ainda, agora, não me parecia cansada, com problemas na coluna, só assustada e covarde. Fugiu e me deixou com uma sensação de frustração, indignação pela forma que usava o seu título de autoridade. Mais uma vez me senti frágil e com o sabor da impunidade.
Isso é verdade, aconteceu mesmo. Claro que no final disso tudo, depois que a indignação passou, ri muito do fato e melhorei depois que cheguei em casa e escrevi o texto. Mas uma coisa é certa: isso é pouco, besteira. Mas, se pensarmos que essas coisas pequenas podem transformar em uma monstruosidade, aí isso me preocupa. Se desde pequenos, nas coisas pequenas, nos habituarmos a sermos atenciosos, respeitosos e humildes, tenho certeza que ao depararmos com algum problema, realmente sério, teremos uma resposta humana e conciliadora.

Muriqui e um barquinho de papel



Muriqui, para mim, sempre foi o nome de uma praia de Niterói, onde amigos meus do colégio tinham casa. Íamos de vez em quando para lá, nas férias. Nada demais. Mas a partir da semana passada, a minha percepção aumentou. Li no jornal e percebi que Muriqui é muito mais. Muriqui faz parte de uma história. A história de um libanês e sua família, a preservação da Mata Atlântica e seu jequitibá, e o percurso profissional de uma cientista americana. E além disso,para mim, agora, a cidade mineira de Caratinga, deixa de ser apenas a cidade do cartunista Ziraldo e da minha amiga Brígida, e passa a ser a cidade onde vivem os maiores primatas das Américas: os Muriquis.
Não vou contar toda a história, mas apenas um resumo rápido. O Sr. Feliciano Abdalla, filho de tropeiro libanês, resolveu se estabelecer na cidade mineira de Caratinga. Adquiriu terras. Uma fazenda: Fazenda Montes Claros. Quando comprou a fazenda, o antigo dono impôs uma condição: vendia apenas se o novo dono jurasse proteger a mata. Então, em uma parte dessa fazenda, cultivou café e, na outra, preservou a mata, embora muitos na cidade protestassem. Outro conselho reforçava o seu objetivo. Seu pai recomendara : “ ...cuidado com as matas, as madeiras, porque o fim disso será trágico.”
Os anos passaram, e chegaram os pesquisadores para estudar a mata atlântica e o seu habitat. Nela estavam os muriquis. Logo em seguida, por meio da divulgação de um vídeo “O Choro do Muriqui”, um emocionante apelo pela proteção da espécie, chega a Caratinga a pesquisadora Karen Strier, que fazia seu doutorado em Harvard. Ela vei estudar os Muriquis e mudou a tese estabelecida que todo primata é agressivo.
O estudo de mais de 20 anos ajudou a ciência a revelar um primata diferente: extremamente pacífico, seus grupos vivem sem hierarquia, sem dominância masculina, com explícitas demonstrações de afeto entre eles. O grupo dos Muriquis está crescendo e o limite da mata, agora, torna-se uma ameaça. O seu habitat é a Mata Atlântica. E novos questionamentos e desafios irão surgir.
Seu Feliciano morreu em 2000, aos 92 anos. Dias depois, o macaco mais velho apareceu morto, morre natural e, logo em seguida, o majestoso jequitibá caiu. Fim de uma parte da história que continua por intermédio da cientista e de do neto de Seu Feliciano.Diante dessa história bonita de preservação, de um ideal conquistado, fica difícil exemplificar, em minha vida, algo parecido com valor semelhante. Fora as minhas memórias, lembranças más e boas, que conservo e preservo com requintes de exaltação, não tenho nada mais bonito a relatar sobre preservação. Acredito que existam várias modos de preservação. Fico, agora aqui, com três: a do meio ambiente, a da nossa memória emocional e a de nossa conduta. Todas buscando o mesmo fim: o nosso bem-estar.
Sempre tive o hábito de guardar. Guardo cartas. Guardava anúncios, imagens impressas, resto de papel, livros (nunca fui capaz de jogar nenhum fora). Mas, depois de um tempo, já não se justificava mais apenas guardar, apesar de sempre apropriar aos guardados uma função futura – para mim nada era inútil. Comecei a colecionar. Aí vieram os selos, os brinquedos, os gibis, LPs, os maços de cigarro (que nunca fumei), embalagens as mais diversas, revistas Veja e Bravo. As coleções foram crescendo e o espaço diminuindo. Um dia, de repente, resolvi, assim como tinha resolvido guardar, jogar tudo fora. Ficaram as cartas, os LPs (que não consigo vender), algumas Bravo, um carro de pilha (modelo jaguar vermelho, que abre o a mala do motor e gira feito uma enceradeira), alguns carrinhos de ferro, um gravador de rolo bege e verde bebê... Foi isso que preservei para a história. Exemplares remanescente dos anos 60 e 70, e que tem como maior valor a memória emocinal, de forma Proustiana, inerente a cada um.
Mas, um dia desses, parou em minhas mãos, um presente oferecido pela amiga Simone (se não colocar os créditos, sou um apátrida da nação amizade): um livro, “O mundo acabou”, de Alberto Villas. Nada de desgraça. Mas, uma coletânea de “guardados”, de um cotidiano que não existe mais, e que compõe o nosso imaginário. Hoje, constitui a nossa memória emocional. Estão ali copilados a nossa casa (a estante de e tijolo com prateleira de madeira, a enceradeira, as xícaras corolex, a colcha de chenile e os discos de vinil), o nosso quarda-roupa (o sapato vulcabrás, a galocha, a japona, o brim coringa, o kichute, mas faltou a camisa cacharrel), as nossas guloseimas (o pirulito de chocolate da Kibon, o biotônico Fontoura,o drops dulcora e a banana split nas lojas americanas), as nossas brincadeiras (o jogo de botão, o decalque,o “cadê o toucinho que estava aqui”, o mico preto, o bambolê, o forte apache, os soldadinhos do toddy, o “atirei o pau no gato” e a língua do P), as nossas tardes em frente a TV (o indizinho da tupi, o repórter esso, o vigilante rodoviário, o papai sabe tudo, o barquinho de papel, o topo gigio, roy rogers e faltaram muitos), a nossa fauna (o bicho-papão, os 3 porquinhos das Casas da Banha, o tucano da Varig, a gotinha e o tigre da Esso e o elefantinho da Shell), as coisas dos nossos pais (a glostora, a aqua velva, o rural willys, o simca chambord, o aero-willys, o vemaguet, mas faltou o carmanguia) e as coisas das nossas mães (a fotonovela e com ela o amigo da onça e o coppertone, o avon chama, a sloper, a pasta de dente kolynos, o lenço de papel e a enciclopédia conhecer).
Desses guardados, alguns são protagonistas e coadjuvantes de episódios, mais ou menos, pitorescos da minha vida. Na verdade, teria para cada um, uma pequena história para contar. Já contei a da Japona, que salvou a minha, então breve, infância. Dessa relação, tenho em minha lembrança duas coisas que remetem ao meu Tio Paizinho. O seu aero-willys e a loção pós barba aqua velva.
Para mim, o olfato era dos sentidos que mais me aguçava na presença desse meu Tio. Chamava os meus tios assim, por ouvir o meu primo chamá-los assim. E não pude, mesmo que quisesse, mudar ao longo da minha vida. Pois bem, o Paizinho sempre me despertou o olfato. Ele sempre estava perfumado com loção pós barba, o cabelo fixado e cuidadosamente penteado com um desses produtos tipo brilhantina. Eu sentia um frescor ao beijá-lo (isso daria um outro texto: as reminiscências do olfato). Mas, se por um lado o cheiro pós barba deixava-me leve, o cheiro e o calor de seu aero-willys marcaram as minhas manhãs de domingo. Tenho vaga lembrança, talvez pelas torturas que eram para mim. Enquanto a minha mãe e minha tia preparavam o almoço de domingo, meu pai e meu tio nos levavam para passear no aero-willys nas manhãs ensolaradas. Eram verdadeiras sessões de tortura. Eles nos enfiavam naquele carro grande e espaçoso. Sentia-me como se estivesse em uma sala forrada paredes de couro que ao sol do meio-dia nos aqueciam e deixavam o ar pesado e empestado. Para me arrasar de vez, no rádio, se não me engano, uma transmissão sofrível de algum programa esportivo português, “em direto” como eles diziam. Isso não só marcou de vez as minhas manhãs de domingo, como também enterrou para sempre qualquer intenção, por parte da ala masculina da família, de uma aproximação mais direta e objetiva com a paixão nacional (deles).
Mas não são só torturas as lembranças que me trouxeram esse livro. O barquinho de papel, por exemplo, para mim, é mais do que um brinquedo de infância. Ele me faz lembrar, diretamente, a exibição de uma novela na TV e que me transformou num pouco do que sou hoje, a “Pequena órfã”, com o Velho Gui, interpretado pelo excelente ator Dionísio Azevedo. A pequena órfã em questão, era uma menina loira e que quando se sentia desprotegida, pegava o seu barquinho de papel (acredito que feito pelo Velho Gui), sentava atrás do sofá e cantava uma música que lhe servia como um acalanto. Já desde menino, fui sendo doutrinado pela mídia, que as meninas loiras eram meigas, boas e que sofriam, e, por isso então, deveriam ter a minha maior atenção e proteção. Sempre fui mais chegado às loiras do que as morenas, acredito que seja pela referência a bondade, ao sofrimento e a santidade. Acho que Maria sempre foi meio aloirada. Em minha cabeça uma mistura de sagrado e profano.
Talvez, o maior dos modos de preservação que devemos nos ocupar hoje em dia, é o de preservar a boa conduta. Acredito que somos frutos do meio, e quando esse meio passa a mudar o nosso comportamento, é sinal que as coisas andam mal. Um dia, no trabalho, percebi que já não dava bom dia ou boa tarde com satisfação, saía meio tímido; oferecer um biscoito, bala ou qualquer coisa na hora do lanche não existia e atender o telefone do colega ao lado já não fazia mais parte de um comportamento gentil. Coisas tão corriqueiras do nosso cotidiano de trabalho estavam desaparecendo. Percebi que fazia isso de forma natural em outros lugares, mas não ali. Fiquei com medo, de começar a me transformar naquilo que nunca tinha sido e que não tinha vocação para ser. Aquilo começou a me incomodar e percebi que era hora de mudar. Mudar de lugar, para não me transformar naquilo que não era.
Isso é apenas um pequeno exemplo, mas se transferirmos isso para o nosso dia-dia-dia, nas ruas, lojas, restaurantes, em nossa casa...isso começará a ficar perigoso. A nossa conduta cordial desaparecerá, e no lugar dela, virá o individualismo, o egoísmo e a falta de atenção e gentileza com as pessoas ao nosso redor. Alguns dirão: “não tenho nada com isso. O telefone não é meu, porque devo atender?” Vivemos numa comunidade, e tudo ao nosso redor deve ser encarado como sendo de nossa responsabilidade, senão de sua origem, pelo menos, em sua manutenção. Ser gentil não custa. O que me custa é ver tanta indelicadeza, falta de educação e falta de compreensão entre as pessoas. Não quero crer que devemos chegar ao patrulhamento, mas não custa, de vez em quando, oferecer pílulas para os doentes desse mal.
Nessa minha viagem ao passado, por intermédio da preservação ao meio ambiente, aos bens materiais, as saudosas e boas reminiscências de nossas vidas, reflito. Devemos sim preservar as coisas que nos fazem bem e que nos mantêm vivos. Mas hoje, mais do que nunca, acho que a preservação deve-se dar a moldes mais modestos, pequenos em sua dimensão, mas grandes em repercussão. Devemos compor, como “soldados”, o exército de preservação dos bons modos, da tolerância, da compreensão, para que o mundo seja então, o que ainda não tive o prazer de conhecer em sua plenitude: mais humano e mais fácil de ser vivido.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

A primeira vista, a segunda à prazo


Quem já não se enganou, tomando como avaliação a primeira impressão, ou a primeira imagem de uma pessoa. E como essa primeira imagem repercutiu em nossa vida, ou mesmo ficou guardada nas gavetas de nossa memória? Tenho, guardadas, e bem guardadas, nas gavetas que compõem o armário duplex da minha memória, algumas “primeiras vistas”. Lembro-me muito bem como e onde vi, pela primeira vez, algumas pessoas. A primeira vez que vi Ana Carla, Marlene, Márcia, Mário, Cristine, Ruth, Suzana,Gino, Camilla, Sérgio... são essas pessoas queridas (sim senhor... queridas sim), que estão mais presentes em minhas lembranças. Isso não significa que as outras pessoas amigas, das quais não tenho registro da primeira vista, não tenham importância em minha vida. Talvez seja mesmo ao contrário, dessas que me lembro, só me lembro por que de alguma forma, a primeira vista se tornou marcante e significativa e não a pessoa naquele momento, mas o acontecimento. A primeira vista não me daria o aval de com quem eu iria conviver a partir dali.

As pessoas amigas mais próximas já vão pensar, lá vem ele com aquela ladainha. Não se preocupem, que dessa vez não vou narrar o ponto mais frágil da minha vida, até agora, mas revelar coisas que pouco, ou que quase nunca, falei.

Essa semana, contei a história do modelo larapio. Quem é que desconfiaria de uma bonita estampa? Pois é, enganamo-nos muitas vezes. Já diz o meu amigo astrólogo, que os librianos se encantam pelo belo, pela imagem harmoniosa, pelo invólucro e deixam de lado o conteúdo. Até pode ser, meu caro senhor dos astros, mas, agora, procuro sempre o manual, a bula, e abro o pacote antes de aceitar qualquer prenda.

De todas as pessoas que citei acima, todas têm uma interessante história para ser contada, e digo, que a maioria, a primeira vista, não me revelou a pessoa que depois se mostrou para mim. Meus caros senhores....minhas caras senhoras, eis aqui algumas das minhas revelações.

Vou contar apenas 3.Três episódios. Aquele, que todos queriam que eu contasse, não se iludam, não contarei não. Ficará guardado, se é que guardo isso, ou escondo, de alguém.

Em ordem cronológica, vou contar o primeiro deles, o instante que cruzei com a Cristine. Todos devem saber que a Cristine foi minha companheira no Mestrado. Um Mestrado que passei no susto. É... susto. Susto porque passei sem ao menos ter estudado, isso não significa que eu seja um gênio ou a prova tenha sido muito fácil, nada disso. Não sou um gênio e nem a prova foi fácil. Acho que contei com a sorte e, a primeira impressão que dei aos professores, tenha-me favorecido. Susto dei na Cristine, ou pelo menos foi essa impressão que ela me causou ao cruzar comigo na saída da entrevista.

Para se ingressar no Mestrado, passamos por duas provas (específica e de línguas) e uma entrevista. Para mim, a entrevista tinha sido um fiasco. Tinha confiança plena na proposta do meu trabalho, controle absoluto, e estava preparado para qualquer tipo de pergunta. Mas os três professores da banca, resolveram fazer uma inquirição. Eu não tinha a menor noção do que estava acontecendo. Para resumir a história, tinham, à primeira vista, me confundindo com outro. Outro esse criado pela própria imaginação fértil desses peritos em analisar imagens. Gente, imagem não é tudo! Nem mesmo fatos não investigados são provas contundentes de alguma coisa. Procure sempre a segunda, terceira ou até quarta versão dos fatos.

Fui confundido e confuso me deixaram diante de perguntas capciosas de como, onde e quando eu conhecera o diretor do mestrado, que por uma pura fatalidade, no decorrer da minha inscrição, veio a se tornar o meu orientador. Da minha boca saía as mais puras e singelas respostas. Tão banais e verdadeiras, que achei que aos ouvidos dos inquiridores soariam como frágeis e mentirosas. A meu favor apenas um fato. A ausência, durante o processo de inscrição, de uma das professoras da mesa, que por motivo de viagem, não pode me dar auxílio na procura de um orientador. Estava deflagrado o conflito. Diante de meu reclame, e desconhecendo, dentre os avaliadores, a professora faltosa, um silêncio se anunciou, e encerrou-se assim a entrevista. Mas, antes mesmo que eu me retirasse, ouvi a observação de um deles: aí vai o nosso político.

Sai assim da sala, com uma cara assustada e assustando a pobre Cristine, que ao me perguntar como tinha sido a entrevista, respondi: acho que não fui bem. Puro engano, de todas as avaliações essa tinha sido a melhor. Ou será que as outras, sim, tinham sido uns fiascos? Coitada da Cristine, diante da minha pálida imagem, deixei-a preocupada, e com receio do que iria encontrar ao cruzar aquela porta. Mas, o que guardo da visão que tive foi: caramba, que mulher linda, esse Mestrado não só tem gente feia. Essa imagem, essa impressão, não posso dizer que não tenha permanecido em mim a respeito de minha amiga. Continua, e continuará, por que a beleza, a maior delas, é que emana de dentro e a que faz torná-la essa pessoa encantadora e invejada.

Passaram-se os dias, e dessa imagem assustada, preocupada e insegura da pobre Cristine, não tenho testemunho, apenas lembrança. Hoje, tenho a imagem de uma pessoa confiante e plena de felicidade. Costumo dizer que existe, sim, uma pessoa feliz, e essa pessoa se chama Cristine.

Vamos agora a segunda história. Essa é engraçada, confunde-se com a própria pessoa. Suzana, a nossa famosa “vou ali volto já”. Já foi e não voltou tantas vezes que nos confunde. Suzana é daquelas pessoas que à primeira vista, para todos, nos é familiar e, portanto, comigo não poderia ser diferente. A gente sempre tem a impressão que a conhece. Até mesmo o nosso querido Caetano Veloso já a confundiu. Certa vez, numa vernissage, ele chegou esbaforido e a cumprimentou com um caloroso abraço, como se a conhecesse de longa data. Alertado pela plena desconhecida da pequena confusão, o ilustre cantador improvisou uma desculpa: ah! Não a conheço? Mas me deu vontade de abraçá-la. É, ninguém quer se passar por tolo ou enganado.

A primeira vez que a vi, foi saindo do Departamento de Comunicação de uma grande empresa. Não se pode dizer que a nossa Suzana passa por nós desapercebida, né? Naquela época, ela ainda não tinha adotado, em seu guarda-roupa, as saias compridas e bordadas a la Capeto, mas já usava a bolsa transpassada tipo carteiro. Passou por mim, como quem quer esconder os olhos e o rosto por meio de seus longos cabelos, enrolando com o dedo indicador, médio e fura-bolo os cachos, e posicionando-os cuidadosamente sobre o lado do rosto, como que se criasse uma moldura capilar. Com passadas largas e ligeiramente seguras, a cabeça baixa, deixava, propositalmente, revelar um certo mistério.

Suzana foi uma das poucas que se revelou, em sua primeira imagem, a mulher que é. Imprecisa. Misteriosa...que nos confunde. Isso não reverte em sua personalidade, mas na impressão que temos de si. Não deixa de ser um charme um ponto ao seu favor. Como é bom ir descobrindo, descortinando, aos poucos essa mulher.

A minha vida é feita por mulheres. Sempre escutei isso. Mas devo a eles algumas passagens também. Mário... Gino... Sérgio. Epa! Na verdade, a primeira impressão é mais dele do que minha. Sérgio me viu como um porquinho (mas ainda assim, belo) sendo servido aos comensais. Não imaginem coisas,hein?

Teve um período em minha vida, exatamente 4 meses, que passei a andar de Classe A. Diz a minha prima que a Classe estava mais para D e F do que propriamente a primeira letra do alfabeto, pode ser, mas o fato é que me servia. Passados os 4 meses, voltei ao outro Mercedes, esse que serve a um número maior de pessoas (cá pra mim, creio que o outro também servia), o famoso 157. E foi assim que o Sérgio teve a sua primeira visão de mim. Sempre apressado e, totalmente, descompromissado. Sempre correndo e não querendo perder tempo com nada, entrei no ônibus 157, carregando uma pasta na mão, na outra uma revista ou livro, não me lembro, e na boca uma bela maçã. Sem tirá-la da boca, paguei a minha passagem, passei pela roleta e fui me sentar atrás do veículo. Lia e comia com sofreguidão. Do Sérgio me chamou a atenção o fato de sempre descermos no mesmo ponto, ele empinadinho, andar apressado e firme a minha frente, passava pelo passeio público, virava a esquina e num passe de mágica sumia da minha vista.

Reencontrei-o várias vezes. Mas uma das passagens, não a seguida da maçã, foi com outra amiga, Simone, que teimava em chamá-lo de Dr. Roberto. Dr. Roberto, eu repetia com estranheza a cada vez que me dirigia a ele. Ele,olhava-me com olhares sem graça. Mas já nos conhecíamos, ele como Sérgio. O doutor era surpresa, e Roberto nem se fala. Sérgio Roberto poderia ser uma hipótese remota, mas não descartada. Mas na verdade, era apenas uma confusão da Simone. O Roberto era puro devaneio.

E assim, foram as primeiras e duradouras impressões que tive e que carrego comigo, sem a chance remota de esquecê-las.

Para que as outras pessoas citadas e, nem todas, leitoras de meus escritos, não pensem que as citei levianamente, aí vão apenas algumas observações ligeiras da primeira vista.

Ana Carla, encontro de design no final dos anos 80, olhar tranqüilo e seguro.
Marlene, acho que de todas foi a impressão mais equivocada que tive. Chata e velha. Vestido pesado, cabelo emoldurando um rosto fino. Posso falar assim por que sei que temos essa liberdade.

Márcia, debruçada sobre uma prancheta, quieta e recatada. Mineira uaí!

Mário, dentro de seu marajó, acertei e errei no que vi.

Ruth, sentada no chão do corredor da faculdade, não parecia a bonita e simples pessoa que se revelou para mim. Minha afilhada.

Gino, através de uma vidraça, transparente, claro .... grande mentira.

Camilla, outubro de 2002, vi na veja, estampada em um anúncio, tomava café com o Gino na padaria...eta vida cruel.

Beijos e até la vista!

Comprem sempre a prazo, escutem a música de suas memórias... agora vem a lembrança do The Coors e a música “Alma Mater”de Rodrigo Leão, momentos vividos e nunca mais esquecidos.

Uma vida e 7 gatos



Conta a lenda que gato tem 7 vidas... depois dessa semana, acho que me restam apenas 2.
Devo já ter contado essas histórias, mas será necessário repeti-las, rapidamente, para não errar nas contas. Com 4 anos de idade, cai de uma ponte em Cachoeiras de Macacu, e fui salvo, das correntezas do rio, por uma senhora que me segurou pela japona (santa japona). Ainda, com os meus 4 anos, no tempo em que minha mãe pegava lotação, Um homem careca, com jeito de sulista (isso já deveria ser um sinal, não tomei atenção), com pretexto de ajudar minha mãe, então grávida do meu irmão, me pegou pelos braços e me levou. Pega desprevenida e não entendendo muito bem o que estava acontecendo, minha pobre mãe, com uma barriga atrapalhando o seu deslocamento, correu atrás do sujeito e me arrancou dos seus braços. O sujeito deu uma de desentendido e foi embora. Aí está o primeiro seqüestro relâmpago não registrado, ainda no tempo que o Rio era Guanabara.

Acho que essa história ficou no meu subconsciente, e sempre desconfiei que eu não era eu, ou, pelo menos, filho de meus pais. Depois, no início dos anos 70, foi noticiado o seqüestro do Carlinhos. Vocês lembram? Até hoje, ninguém sabe o que aconteceu. Por um bom tempo, eu achei que eu fosse o Carlinhos e que aqueles não eram os meus pais. Passei a investigar nas gavetas dos armários alguma pista da minha verdadeira origem e identidade. Não achei nada de concreto. E dei-me por satisfeito em não ser o Carlinhos, mas ser, realmente, o Cacá, alcunha que meu primo Philippe me dera.

Um pouco antes de entrar para a faculdade, ainda no tempo do colégio, uma vizinha de bairro ligou lá para casa, para saber se eu tinha morrido. Diante de uma questão crucial como essa, fiquei atordoado, será que morri e quem atende, agora, o telefone não sou eu? Percebi que a vizinha havia se confundido com os “Carlos”. Eu era Carlos Eduardo, o defunto era Carlos Alberto...credo! Eu o conhecia. Morreu num acidente de carro. Estudávamos no mesmo colégio. Contabilizando, tenho até agora, uma morte, uma suspeita e um atentado. Posso dizer que utilizei as minhas 3 vidas. Restam-me 4.

Há duas semanas atrás, voltei de viagem. Passei uns 10 dias viajando por Fortaleza e Florianópolis. No primeiro dia da viagem, ainda no aeroporto do Rio, tive um pressentimento: achei que o forno estava ligado. Liguei para a minha prima e pedi que ela fosse até a minha casa averiguar. Alarme falso. Depois de 10 dias, volto a casa, ela precisa de cuidados e atenção. Arrumo, dou carinho e passo a fazer as tarefas rotineiras de um dono-de-lar prendado. Coloco para ferver água para o mate. Joachim cansado de tanto andar durante um domingo ensolarado, mantem-se prostrado no chão. Venta... e o vento faz do papel toalha uma bandeirola que se põe a flanar por cima do fogão. Recolho, e o coloco em seu devido lugar. O telefone toca. É a minha amiga Márcia reclamando que não liguei para ela no seu aniversário. Conta que uma amiga em comum tinha ido numa palestra onde um vidente previa catástrofes para os anos seguintes: tsunami no Rio, Lula não será reeleito (isso não é exatamente uma catástrofe) e o Brasil não vai ganhar a Copa. Demos um prazo para o sujeito. Mediremos a sua capacidade de acerto pelas duas últimas previsões, a partir daí sim, começaremos a nos preocupar com a onda que alagará Ipanema. De repente escuto um estalar: tac! Um barulho. Joachim, ainda meio grogue, levanta e vai até a porta e olha para mim. Tem algo estranho, interpreto. Largo o telefone e saio correndo em direção a cozinha. Ela estava clara, apesar da noite se manifestar. Uma labareda de 1,70m, que vinha da lata de lixo ao lado do fogão, me saudava. Fiquei estarrecido diante daquilo. O copo de liquidificador e torneira foi o que me veio à cabeça. E joga água...mais água... mais, e nada. Em um breve momento, um segundo pensamento. Uma cena me veio a cabeça: abro a porta e saio gritando: FOGO! FOGO! Patético. Acho que nem o Joachim acreditaria, acharia que era brincadeira e pularia em cima de mim. Corta. Pensamento número 3: como em todos os filmes, vamos abafar com um cobertor. Mas não havia por perto nada parecido. O jeito foi afastar a licheira que já estava em chamas e ao lado do fogão, jogar mais água, o suficiente para alagar a cozinha. Fogo apagado. Tudo terminado. Essa tinha me deixado preocupado.Teria sido um alerta? Não devemos brincar com fogo.

Nos últimos dias tenho andado gripado, um pouco mole. Uma gripe que se arrasta há mais de 5 dias, nada que me deixe muito preocupado, apenas uma pequena dificuldade em respirar. De quinta para sexta, começo a sentir uma tontura, um certo enjôo. Comecei a ficar preocupado. Um mal estar. São duas da manhã, sozinho em casa. Eu e o Joachim. Não queria acabar como naquela história em que o sujeito é encontrado morto e já em putrefação ao lado do cão faminto. Comecei a arrumar a casa. Coloco a ração no pote para o Joachim e ligo para o meu plano de saúde para saber o hospital mais perto de casa que tenho direito. Hospital Santa Maria, em Laranjeiras. Nunca havia escutado. Pego um táxi e parto para lá. Era uma clínica e a porta de vidro fechada. Toco a campanhia, aguardo, e aparece um segurança sonolento. Entro. Não me parecia um hospital e muito menos uma emergência. Um outro rapaz, com mais sono ainda, pergunta meu nome, idade, endereço, cep ... CEP? Não sei lhe dizer, disse. Serve bairro. Diante de tanto descaso, comecei a ficar nervoso e revoltado. Perguntei: aqui tem emergência? Sim, foi a resposta com uma indicação para uma salinha. Fui para lá. Um outro rapaz me esperava. Perguntei: você é o médico? Não, sou o enfermeiro, foi a resposta. Mediu a minha pressão.: 16 por 12. Alta. Chega a médica e fala do meu estado. Teria que ficar em observação,faria uns exames e diante do resultado seria internado. Perguntei com uma certa indignação: aqui? Resposta mais do que óbvia da médica simpática: sim. Fiz um eletro e coletaram o meu sangue para o exame de enzimas. Explicaram-me que esse exame é feito para diagnosticar infarto. Passadas 4 horas, uma nova coleta seria feita e ao comparar com a primeira daria o resultado positivo ou negativo. Deram-me um comprimido para colocar embaixo da língua e depois mais 3 para mastigar. Colocaram-me deitado em uma cama estreita olhando para o teto. Já eram 4 horas da manhã.

No meu trajeto até o hospital, tinha mandado 3 torpedos. Um para a Ana Cristina, minha prima, outro para Suzana, e o terceiro para o Sérgio. Ninguém havia me respondido. Preocupado, recorro ao telefone, e acordo o meu amigo Sérgio. Passada uma hora, lá estava ele para me confortar e me alegrar. Nada como ter amigos. Contei tudo que havia acontecido e ele me falou que estava tudo sobre controle. Vendo que meu estado era tranqüilo, me contou que tinha sido naquele hospital que a Cássia Eller tinha morrido. Legal! Sendo médico, tinha uma articulação fácil com as enfermeiras, que além de mostrar os meus exames, mostrava também os exames do outro paciente da cama ao lado da minha. Coitado, esse estava mal. A cara da enfermeira expressava o estado do paciente. Ele estava pronto para encontrar a Cássia. Mediram novamente a pressão, normal: 12 por 8.

Não tendo por que ficar mais tempo ali, afinal a minha segunda coleta só seria feita as 8 da manhã, Sergio se despediu e foi trabalhar. Amigão! Fiquei aguardando a segunda coleta. O turno dos enfermeiros e médicos muda. A médica, que me atendeu de madrugada, volta para me dar uma satisfação. O mesmo discurso, dessa vez não me deixei levar pelo seu pessimismo e ignorei a internação. E surge uma mulata. Por que temos tanta enfermeira mulata? Começa arrumando as coisas. Puxa o carrinho para lá, empurra o suporte do soro para o outro lado, fecha o armário, procura a caneta... caneta? Pergunto se já não era a hora de fazer a segunda coleta, eram 8 horas da manhã. Ainda não veio o pedido, foi a resposta. Morrer eu não ia, por isso me mantive calmo. E onde estava a caneta? Liga para o ambulatório e pede uma caneta. Meu Deus, por que será que uma caneta faz tanta falta numa emergência? Surge o novo médico, pergunta pelo meu estado e me reconforta, dizendo que estava tudo certo com os meus exames e que só estava esperando o resultado da segunda coleta. Resultado? Disse que ainda não tinha sido feita a segunda coleta, e ele foi providenciar.

O meu vizinho, certamente, merecia mais atenção do que eu. Não me importava nada nada com isso, muito pelo contrário. Ele estava sendo monitorado com aquele aparelho que tem um visor com um gráfico. Olhei para o monitor e via apenas um risco contínuo. Ué? Isso não quer dizer que o coração não está batendo? Olhei para o cidadão e ele respirava. Falei com o enfermeiro e ele foi averiguar. O aparelho não estava funcionando direito. Mexeu e normalizou. De repente, o risco contínuo volta e apreensivo procuro o enfermeiro. Um sinal toca. Levo um susto. Era o meu celular.

Outra enfermeira chega, com uma caneta. Tinha que assinar o pedido para o exame. Assinei. Coletaram e fizeram um novo eletro. Mais meia hora, o médico chega. Disse que não precisava ficar esperando o resultado ali, não tinha necessidade e afinal os exames eram rotineiros, apenas por precaução. Eu estava bem. O resultado chegou e não havia sinal de infarto. Eu estava com plena saúde. Liberou-me e fui para casa.

Agora, restam-me apenas duas vidas. Não contabilizo as mortes e os lutos das paixões, caso contrário já estaria com a Cássia Eller cantando “Quando o segundo sol chegar. Para realinhar as órbitas dos planetas ....”. Cássia, ainda vai ter que me esperar mais um pouquinho.
Bjs e um bom dia

domingo, 6 de maio de 2007

Por que Porto Alegre?



A primeira vez que estive em Porto Alegre foi há mais de 25 anos atrás. Trabalhava com pesquisa e ainda não estava na faculdade. Fiquei hospedado num hotel na Praça da Matriz, não recordo o nome. Vinte anos depois, por conta do trabalho, passei pelo aeroporto da cidade umas duas ou três vezes, a caminho de Gramado. E só.Nesses dois últimos meses, abril e maio, estive duas vezes na cidade, em menos de 20 dias.

Porto Alegre não é mais a mesma, ou não conheci Porto Alegre? Da primeira vez que estive na cidade, comi churrasco, experimentei chimarrão, comprei chá de cacau no Mercado Público, ouvi falar das bombachas e escutava, aqui e ali, expressões como: “Tri legal!”e “Bá!”. Ainda ouvia a música “Deu pra ti, baixo astral, vou para Porto Alegre ... tchau!”, da dupla Kleiton e Kledir, do início dos anos 80. Cidade da Dona Ruth, loira e de vivos olhos azuis, amiga da minha mãe e nossa vizinha. Minha referência de mulher gaúcha, do tempo de infância e adolescência. O que será que mudou em Porto Alegre?

A região Sul sempre foi famosa por difundir a representação loira de nossa gente. Sempre teve fama de reunir as mais lindas mulheres, principalmente loiras. Para citar algumas: Gisele Bundchen, Xuxa, Ana Hickmann, Shirley Mallman, Fernanda Lima (essa não é loira, mas acho que é a única da lista que é da cidade), entre outras. E, entre os homens, o gaúcho sempre foi dito como o mais macho, tchê! Dos homens não lembro de nenhum em especial. Lembro de dois políticos, Leonel Brizola e Pedro Simon. Mas, em nossa literatura, ainda nos bancos escolares, não podemos esquecer de Érico Veríssimo...Salve Mário Quintana!

Dessa vez, chego no aeroporto e sou recebido pela Marta com um quase-banner escrito Bienal. Ela conversava com uma mulher que, minutos antes, dentro do avião, em pleno vôo, tinha parado a minha frente e me fitou, desprendendo um sorriso resignado a própria sorte. Meu Deus, que coisa esquisita! (vão contando as coisas esquisitas). Será que a dona do sorriso resignado era uma das artistas do Simpósio? Ou uma professora aloprada? Atento, percebi que ela se afastara, aproximei-me de Marta e nos apresentamos.

Marta é uma mulher despachada, atenciosa e muito simpática. Estava ali para me recepcionar. Muito gentil, nos dirigimos até o seu carro. Abri a porta e quase sentei no seu suco de limão. Suco de limão? Sim, adoçado com melado. Sua dieta durante 10 dias. Mas que coisa esquisita! Em plena Páscoa!? Por que ela estaria só bebendo suco de limão? Magrinha, bonita, pele boa e de cor saudável. Explicou que era para desintoxicar, dieta indicada pelo curador da Bienal e sua mulher, que também seguiram à risca. Vai ver que foi muito churrasco e chimarrão.

Fomos diretos para o Simpósio, já estava na hora. Por lá, nada a se destacar, rotinas de trabalho. Depois, fui convidado para jantar com todos. Maravilha! É nessa hora, em volta da mesa, que conhecemos um pouco da cultural da região – não vamos levar em consideração o suco de limão. A fala formal daria vez à prosa e às pequenas histórias, seríamos brindados com os acepipes e a culinária local. Confesso que fiquei um pouco preocupado... vão me oferecer churrasco, não pretendia cair na dieta do suco de limão.

Chegamos ao local, uma residência localizada numa esquina, transformada em restaurante. Muito simpático, com cadeiras e mesas de madeira, uma diferente da outra, e paredes coloridas que delimitavam as pequenas salas que se comunicavam. Nas paredes, anúncios de revistas antigas. Uma bicicleta e um fogão à lenha, entre outros objetos nostálgicos, decoravam o lugar. O restaurante: Borgo Antico Pizzeria.

Marta – minha tutora na capital gaúcha – , ao final da confraternização, levou-me até o hotel. Me despedi e, no dia seguinte, nos veríamos para mais uma rotina de palestras. No terceiro dia, duas reuniões, e visitas aos locais da Bienal (Santander Cultural, MARGS e os Armazéns do Cais do Porto), acompanhado por Marta, Bruna e Karina – além da Marta, a Bienal tem um esquadrão de mulheres: Karina, Mônica, Bruna, Adriana e Marcy (essa de São Paulo) entre outras.

O convite do presidente da Bienal, Justo Werlang, para uma visita a futura sede da Fundação Iberê Camargo, deixara-me entusiasmado. Em construção à margem do Rio Guaíba , essa obra do arquiteto português Álvaro Sisa, causou uma certa polêmica quando foi divulgada. O arquiteto premiado, que projetou o Museu Serralves e uma igreja em Marco de Canavezes (cidade natal de minha mãe), entre outras obras, teria o desafio de não transformá-la em um mirante para a bela vista do Rio Guaíba, não correndo o risco de acontecer o que aconteceu com o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, mirante para o Rio de Janeiro, esse projetado por outro grande arquiteto, Oscar Niemeyer.

Antes da visita, almoçamos no Café Borges, restaurante do MARGS (Museu de Arte do Rio Grande do Sul). Lá também não nos serviram churrasco e muito menos chimarrão (também não era hora). Já mais afinado com as gurias – três beijinhos ao invés de um paulista ou dois cariocas –, continuava atento para as peculiaridades da cidade. Karina, típica gaúcha, com seu cabelo loiro e grandes olhos azuis, sorriso inteiro, usava, sempre que podia, as expressões: “Bá!” e “Tri legal”, já conhecidas por mim. Confirmou-me o peculiar modo de falar os preços das coisas, pois na noite anterior, em um shopping, ao perguntar o preço de um prato, obtive a seguinte resposta: trinta e um com noventa. Como assim? É trinta e um reais com mais 90 % ? Mas por quê? Aquela hora não tinha desconto? Retiraram? E o desconto seria por quê? Mas que coisa esquisita! Nada disso! Em Porto Alegre, diz-se, também, dessa forma o preço das coisas. Depois, foi explicado, pela Adriana (Catarinense), que isso é uma corruptela da língua espanhola. Os argentinos, por exemplo, falam a vírgula (coma): treinta y uno coma noventa – as expressões e o modo de falar poderiam fazer parte apenas de um capítulo dessa história. Não sairia da cidade, sem antes comprar um dicionário de Porto-Alegrês.

Já na minha segunda visita à cidade, percorri algumas ruas do centro antes da reunião de trabalho. No centro, passei pela Praça da Alfândega, pelo Mercado Público (aproveitei e comprei a casca de cacau, para o chá, que quase ninguém conhecia), e fui até o cruzamento das ruas XV de novembro e Marechal Floriano. Lá vi a maior concentração de camelôs por metro quadrado vendendo CD e DVD pirata. Mais adiante, um outro oferecia a compra de ouro e cabelo, e, um pouco mais à frente, outro vendia receitas e atestados que me ofereceu. Devia estar azul de fome. Voltei pelo mesmo caminho e resolvi tomar um café no Santander Cultural.

No caminho de volta, escutava ao longe uma música simpática e melódica. A voz parecia da Rita Lee, mas não era. Vi uma aglomeração de pessoas diante de um prédio público – identifiquei-o pelas fachas suspensas, diante da fachada. Percebi que era uma manifestação contra o prefeito. Simpática, até. Anotei, em um pedaço de papel, um trecho da letra da música, e ela dizia o seguinte: “Porto Alegre não tem/ um prefeito legal/ ele só nos enrola/ etc e tal/ Na campanha passada/ pra ganhar a cidade/ Fogaça prometeu/ pagar a bimestralidade/ (aí vem o refrão) Porto Alegre baixo astral/ Porto Alegre me dói/ Não tenho um vintém/ Eu preciso ganhar reajuste já/ O vale refeição vai ter que aumentar também/ Porto Alegre jaz....” Achei curiosa a forma de manifestação pacífica e que me fez parar para prestar atenção na letra. Fiquei sabendo, então, que Fogaça prometeu mais não cumpriu e que não está sendo legal. E que o feitiço tinha virado contra o feiticeiro. A música era uma versão às avessas da música de campanha para prefeito.

Sentado no café, pedi uma xícara de Bom Jesus, peguei o jornal Zero Hora e matei alguns minutinhos que me restavam antes da reunião. Lembrei da noite anterior, a cerveja Coruja em garrafa de botica de 1 litro, no Restaurante Borgo Antico – o mesmo da primeira visita (deve fazer parte da tradição local, visitar, pelo menos duas vezes consecutivas, o mesmo restaurante, isso também aconteceu com o Café Borges). Coruja é uma cerveja sem conservantes e por isso mais cara do que o normal. Tem que ser conservada em uma temperatura constante e consumida em 6 dias, depois de engarrafada. Muito cobiçada pelo sabor e pela garrafa, tentei persuadir a garçonete de levar a garrafa vazia. De jeito nenhum, as garrafas são numeradas e cada uma vazia custa R$10,00. Tudo bem! Fiquei contente em levar apenas a bala mocinho por R$ 0,10 cada.

Como escrevi, as expressões podem fazer parte um capítulo, e já no início da reunião, uma delas solta: “tororó de parpites”.Fantástico! Daí em diante surgiram: “Capaz!”, “lomba”, “sinaleira”... Mas, para escrever esse parágrafo dedicado às expressões, recorri ao dicionário que comprei, e destaquei algumas muito curiosas. Tem uma série de expressões que fazem referências às personagens e personalidades, vamos a elas: “aí adeus, Tia Chica” (no sentido de nunca mais), “Alzira” (azar), “Joãozinho do passo certo” (sujeito que se julga esperto), “Pedro e Paulo” (dupla de guardas, conhecidos no Rio como Cosme e Damião), “chamar o Hugo” (o nosso “chamar Raul”), “Gilda” (sorvete de creme com coca-cola, com sorvete de chocolate é vaca-atolada), “casa do Badanha” (lugar longe), “Magal” (sujeito mal arrumado ), “ Tarzan-minhoca” (o sujeito que pretende ser forte, sem ser ), “ir no Miguel” (ir ao banheiro)... E outras que, só pela expressão, são muito engraçadas: “tô feio mas tô quentinho”(mal vestido no frio), “tá com o pé que é um leque” (pronto para fazer malandragem), “rente que nem pão quente”(fazer alguma coisa rapidamente), “jurupoca vai piar” (essa é conhecida, alguma coisa ruim vai acontecer), “surfar na polenta” (o nosso “escorregar na maionese”), “dê-le que te dê-le”(expressão para descrever o esforço de uma tarefa) , “firme na paçoca” (estar bem), “botando o sarampo pra fora” (quando alguém está usando roupa de frio, mas a temperatura está amena), “o ó do bobó”(usado para elogiar uma situação ou usada como o nosso “ó do borogodó”), “bater a passarinha” (desvendar o sentido obscuro de algo), “atacado das bichas”(não é uma resposta a uma ação homofóbica, mas maluco)...Por ser uma região de tradição pastoril, muitas expressões são oriundas dessa cultura, vamos a elas e outras dedicadas a natureza: “boi-corneta” (sujeito do contra), “é meu e o boi não lambe” (o nosso “é meu, eu vi primeiro”), “duro de queixo”(teimoso), “chamar na chincha” ou cincha (também conhecido por nós, mas nesse caso cincha é o nome da cinta que amarra os arreios sobre o cavalo, “dar um aperto” no sentido de chamar atenção), “bordar a orelha” (conversa ao pé do ouvido), “soltar as patas” (briga feia), “piá” (garoto), “bacuri” (criança), “cabelinho de sapo”(distância curta), “chá de pera” (o nosso “segurando vela”)... A influência da colonização territorial (portuguesa e alemã), ou não (americana, italiana e francesa), e a proximidade dos países de língua espanhola (Argentina e Uruguai) permitiram também uma gama de outras expressões, por exemplo: “bicha” (fila) e “cacetinho” (tipo de pão) como em Portugal, “tchuco” (bêbado) de origem italiana,”sumanta de laço” (surra) originário do espanhol platino, e “banzo” (ônibus ) corruptela do inglês, pronunciado “bâs”.

Mas, como eu estava escrevendo, o convite para a visita a futura sede da Fundação Iberê tinha me deixado entusiasmado. Chegando lá, fomos recebidos pelo Fábio Coutinho, o engenheiro Canal e o Justo. Marta sempre ao meu lado. O engenheiro Canal me mostrou toda a obra com requinte de quem explica uma receita de bolo de família. Cheia de ingredientes frescos e de qualidade, técnicas inusitadas e preparos requintados para o bolo não queimar ou solar. Esse bolo estava me parecendo apetitoso demais! O desafio de não tornar o Museu (sim, na sede estará exposta e conservada o acervo do artista) em um mirante, foi resolvido pela opção de não utilizar grandes janelas para as margens do Rio. Mas, a comunicação com a natureza, o jogo de luz e espaço, características de sua arquitetura, estavam resguardados. Lembrei-me do Museu Serralves. Diante da obra, uma ponta de inveja, e na intenção de brincar com os gaúchos, perguntei: “Por que Porto Alegre?”. Semanas depois, seria, bravamente, advertido pela colega Marta: “Mas, báh! Isso é pergunta que se faça? Por que em Porto Alegre?” Mas só mesmo em Porto, minha cara Marta.

Na minha próxima visita, não vou “chupar bala” mesmo que esteja na “tiriça”ou “malecho”. Sem ser “bodoso”, muito menos “catrefa”, serei sempre “bagual” com as gurias. Não vou perder a oportunidade de experimentar a legítima torta sorvete das primas que sonharam e montaram um negócio rentável, comer um cachorro quente do Rosário em frente ao colégio do mesmo nome, e conhecer a Casa de Cultura Mario Quintana, antigo Hotel Majestic. Mas, se ainda não for dessa vez, não me escapa o bom e velho “negrinho” acompanhado de Bom Jesus.

E tenho dito, sô!