domingo, 27 de maio de 2007

Pequeno grande homem triste

Se não me falha a memória, no ano passado, no começo do ano, escrevi um texto em que dizia que acordei me sentindo um Cary Grant. Inspiração pura. Não tenho mais esse texto, quem puder recuperá-lo para mim, eu agradeço. Aliás, recuperar foi o que mais marcou o meu fim de ano.

Todos sabem que sou movido a lembranças, memória e reminiscências. Segundo Platão, lembrança do que a alma contemplou em uma vida anterior, quando, ao lado dos deuses, tinha a visão direta das idéias. Bonito. Nesse fim de ano, fui recuperando algumas coisas e, sintomaticamente, perdendo outras, mas, logo em seguida, dando conta de seu paradeiro. Coisa estranha. Recuperei meus amigos Teresianos : André, Luiz Alberto, Ana Paula Barbosa, Claudia Belsito, Claudia Mendes, Andréa Ernesto, Isabela, Gisele, Adriana, Kátia Klein, Cristiane, Anete, Nyeta, Marcelo Henriques e, já no finalzinho, a menina Carinho, Márcia Menezes. Uma grande amiga da Faculdade, Cristina Behar, apareceu subitamente a caminho do chuveiro na praia. Jô Frazão mandou um email. Lídia estava feliz porque o gás estava funcionado no frio londrino. Parece que estava em sintonia com o passado, presentificando o meu futuro. Perdi um casaco, mas a Ana Carla achou, perdi documentos pela minha desorganização, mas a minha esperança deu cabo de encontrá-los, perdi o meu japa mala (terço indiano), no último dia do ano, mas o acaso me permitiu um novo encontro.

Ainda, no ímpeto de recuperar, recuperei uma coisinha que estava adormecida no meu coração, na minha alma, na minha existência: a confiança. A confiança no outro, no meu par, no meu semelhante. Ainda me sentindo ludibriado, me deixe enganar para ter esperanças e me sentir melhor.

Certa vez, num fim de semana, sai da sala de cinema me sentindo o próprio personagem. O filme era “Nem tudo é o que parece” (bem apropriado o título), o ator, Daniel Craig. Sai da sala como ele: imponente... destemido.

Essa manhã, acordei não me sentindo mais um Cary Grant. Fiz o spinning matinal (como isso é bom) e chegando em casa, tirei a camisa, me olhei no espelho e me senti bem. Até aquelas gordurinhas localizadas se reuniram num só volume tornando-se compactas duras e uniformes, formou uma armadura ... musculatura condensada. Disse: você está bem rapaz!

Botei uma calça azul que me cai bem, uma camisa verde água que combina com o azul escuro, um sapato preto, lavei o rosto, fiz a barba e moldurei o meu rosto com um ar misterioso de quem espreita todos atrás de uma lente escura. Saí de casa, estiquei o corpo (façam isso, as meninas também, estiquem o corpo o suficiente para que ele lhe dê mais um centímetro de altura e o suficiente para que a bunda não fique muito empinada). Arrumei a minha bolsa, coloquei no CDplayer Damien Rice, cantando aquela música cuja a versão está contagiando todos, e que chamo da melô do espelho. Escutei pela primeira vez no filme Closer. E, como um desses personagens de anúncio de cartão de crédito ou de carro, caminhei altivo, reto, impávido, impetuoso pela rua. Senti-me como um soldado urbano, fazendo revirar pescoços e derrubando adversários. Gerei cobiça, inveja e ciúmes. Rebati com desprezo. Com a cabeça imóvel, mas os olhos em permanente movimento, observava todos sem demonstrar a minha desconfiança. A boca cerrada, um risco, quebrada apenas com uma leve curvatura nos cantos, riso cínico e voluntarioso. Com um escudo invisível, abria o caminho através da horda urbana, um caminho imaginado, tornando a minha passagem livre e sem obstáculos. Os meus olhos ninguém via. O olho é a nossa alma, ele revela o que sentimos, o que somos e o que queremos. Ele pode ser o nosso calcanhar de Aquiles e, às vezes, uma arma fatal. Mas, hoje, eu tinha que protegê-los, os meus olhos me entregavam. Marejados... ceguinhos de choro. Eu era um pequeno grande homem triste e o caminho de uma lágrima me riscava o rosto.

Beijos a todos no coração

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