domingo, 6 de maio de 2007

Por que Porto Alegre?



A primeira vez que estive em Porto Alegre foi há mais de 25 anos atrás. Trabalhava com pesquisa e ainda não estava na faculdade. Fiquei hospedado num hotel na Praça da Matriz, não recordo o nome. Vinte anos depois, por conta do trabalho, passei pelo aeroporto da cidade umas duas ou três vezes, a caminho de Gramado. E só.Nesses dois últimos meses, abril e maio, estive duas vezes na cidade, em menos de 20 dias.

Porto Alegre não é mais a mesma, ou não conheci Porto Alegre? Da primeira vez que estive na cidade, comi churrasco, experimentei chimarrão, comprei chá de cacau no Mercado Público, ouvi falar das bombachas e escutava, aqui e ali, expressões como: “Tri legal!”e “Bá!”. Ainda ouvia a música “Deu pra ti, baixo astral, vou para Porto Alegre ... tchau!”, da dupla Kleiton e Kledir, do início dos anos 80. Cidade da Dona Ruth, loira e de vivos olhos azuis, amiga da minha mãe e nossa vizinha. Minha referência de mulher gaúcha, do tempo de infância e adolescência. O que será que mudou em Porto Alegre?

A região Sul sempre foi famosa por difundir a representação loira de nossa gente. Sempre teve fama de reunir as mais lindas mulheres, principalmente loiras. Para citar algumas: Gisele Bundchen, Xuxa, Ana Hickmann, Shirley Mallman, Fernanda Lima (essa não é loira, mas acho que é a única da lista que é da cidade), entre outras. E, entre os homens, o gaúcho sempre foi dito como o mais macho, tchê! Dos homens não lembro de nenhum em especial. Lembro de dois políticos, Leonel Brizola e Pedro Simon. Mas, em nossa literatura, ainda nos bancos escolares, não podemos esquecer de Érico Veríssimo...Salve Mário Quintana!

Dessa vez, chego no aeroporto e sou recebido pela Marta com um quase-banner escrito Bienal. Ela conversava com uma mulher que, minutos antes, dentro do avião, em pleno vôo, tinha parado a minha frente e me fitou, desprendendo um sorriso resignado a própria sorte. Meu Deus, que coisa esquisita! (vão contando as coisas esquisitas). Será que a dona do sorriso resignado era uma das artistas do Simpósio? Ou uma professora aloprada? Atento, percebi que ela se afastara, aproximei-me de Marta e nos apresentamos.

Marta é uma mulher despachada, atenciosa e muito simpática. Estava ali para me recepcionar. Muito gentil, nos dirigimos até o seu carro. Abri a porta e quase sentei no seu suco de limão. Suco de limão? Sim, adoçado com melado. Sua dieta durante 10 dias. Mas que coisa esquisita! Em plena Páscoa!? Por que ela estaria só bebendo suco de limão? Magrinha, bonita, pele boa e de cor saudável. Explicou que era para desintoxicar, dieta indicada pelo curador da Bienal e sua mulher, que também seguiram à risca. Vai ver que foi muito churrasco e chimarrão.

Fomos diretos para o Simpósio, já estava na hora. Por lá, nada a se destacar, rotinas de trabalho. Depois, fui convidado para jantar com todos. Maravilha! É nessa hora, em volta da mesa, que conhecemos um pouco da cultural da região – não vamos levar em consideração o suco de limão. A fala formal daria vez à prosa e às pequenas histórias, seríamos brindados com os acepipes e a culinária local. Confesso que fiquei um pouco preocupado... vão me oferecer churrasco, não pretendia cair na dieta do suco de limão.

Chegamos ao local, uma residência localizada numa esquina, transformada em restaurante. Muito simpático, com cadeiras e mesas de madeira, uma diferente da outra, e paredes coloridas que delimitavam as pequenas salas que se comunicavam. Nas paredes, anúncios de revistas antigas. Uma bicicleta e um fogão à lenha, entre outros objetos nostálgicos, decoravam o lugar. O restaurante: Borgo Antico Pizzeria.

Marta – minha tutora na capital gaúcha – , ao final da confraternização, levou-me até o hotel. Me despedi e, no dia seguinte, nos veríamos para mais uma rotina de palestras. No terceiro dia, duas reuniões, e visitas aos locais da Bienal (Santander Cultural, MARGS e os Armazéns do Cais do Porto), acompanhado por Marta, Bruna e Karina – além da Marta, a Bienal tem um esquadrão de mulheres: Karina, Mônica, Bruna, Adriana e Marcy (essa de São Paulo) entre outras.

O convite do presidente da Bienal, Justo Werlang, para uma visita a futura sede da Fundação Iberê Camargo, deixara-me entusiasmado. Em construção à margem do Rio Guaíba , essa obra do arquiteto português Álvaro Sisa, causou uma certa polêmica quando foi divulgada. O arquiteto premiado, que projetou o Museu Serralves e uma igreja em Marco de Canavezes (cidade natal de minha mãe), entre outras obras, teria o desafio de não transformá-la em um mirante para a bela vista do Rio Guaíba, não correndo o risco de acontecer o que aconteceu com o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, mirante para o Rio de Janeiro, esse projetado por outro grande arquiteto, Oscar Niemeyer.

Antes da visita, almoçamos no Café Borges, restaurante do MARGS (Museu de Arte do Rio Grande do Sul). Lá também não nos serviram churrasco e muito menos chimarrão (também não era hora). Já mais afinado com as gurias – três beijinhos ao invés de um paulista ou dois cariocas –, continuava atento para as peculiaridades da cidade. Karina, típica gaúcha, com seu cabelo loiro e grandes olhos azuis, sorriso inteiro, usava, sempre que podia, as expressões: “Bá!” e “Tri legal”, já conhecidas por mim. Confirmou-me o peculiar modo de falar os preços das coisas, pois na noite anterior, em um shopping, ao perguntar o preço de um prato, obtive a seguinte resposta: trinta e um com noventa. Como assim? É trinta e um reais com mais 90 % ? Mas por quê? Aquela hora não tinha desconto? Retiraram? E o desconto seria por quê? Mas que coisa esquisita! Nada disso! Em Porto Alegre, diz-se, também, dessa forma o preço das coisas. Depois, foi explicado, pela Adriana (Catarinense), que isso é uma corruptela da língua espanhola. Os argentinos, por exemplo, falam a vírgula (coma): treinta y uno coma noventa – as expressões e o modo de falar poderiam fazer parte apenas de um capítulo dessa história. Não sairia da cidade, sem antes comprar um dicionário de Porto-Alegrês.

Já na minha segunda visita à cidade, percorri algumas ruas do centro antes da reunião de trabalho. No centro, passei pela Praça da Alfândega, pelo Mercado Público (aproveitei e comprei a casca de cacau, para o chá, que quase ninguém conhecia), e fui até o cruzamento das ruas XV de novembro e Marechal Floriano. Lá vi a maior concentração de camelôs por metro quadrado vendendo CD e DVD pirata. Mais adiante, um outro oferecia a compra de ouro e cabelo, e, um pouco mais à frente, outro vendia receitas e atestados que me ofereceu. Devia estar azul de fome. Voltei pelo mesmo caminho e resolvi tomar um café no Santander Cultural.

No caminho de volta, escutava ao longe uma música simpática e melódica. A voz parecia da Rita Lee, mas não era. Vi uma aglomeração de pessoas diante de um prédio público – identifiquei-o pelas fachas suspensas, diante da fachada. Percebi que era uma manifestação contra o prefeito. Simpática, até. Anotei, em um pedaço de papel, um trecho da letra da música, e ela dizia o seguinte: “Porto Alegre não tem/ um prefeito legal/ ele só nos enrola/ etc e tal/ Na campanha passada/ pra ganhar a cidade/ Fogaça prometeu/ pagar a bimestralidade/ (aí vem o refrão) Porto Alegre baixo astral/ Porto Alegre me dói/ Não tenho um vintém/ Eu preciso ganhar reajuste já/ O vale refeição vai ter que aumentar também/ Porto Alegre jaz....” Achei curiosa a forma de manifestação pacífica e que me fez parar para prestar atenção na letra. Fiquei sabendo, então, que Fogaça prometeu mais não cumpriu e que não está sendo legal. E que o feitiço tinha virado contra o feiticeiro. A música era uma versão às avessas da música de campanha para prefeito.

Sentado no café, pedi uma xícara de Bom Jesus, peguei o jornal Zero Hora e matei alguns minutinhos que me restavam antes da reunião. Lembrei da noite anterior, a cerveja Coruja em garrafa de botica de 1 litro, no Restaurante Borgo Antico – o mesmo da primeira visita (deve fazer parte da tradição local, visitar, pelo menos duas vezes consecutivas, o mesmo restaurante, isso também aconteceu com o Café Borges). Coruja é uma cerveja sem conservantes e por isso mais cara do que o normal. Tem que ser conservada em uma temperatura constante e consumida em 6 dias, depois de engarrafada. Muito cobiçada pelo sabor e pela garrafa, tentei persuadir a garçonete de levar a garrafa vazia. De jeito nenhum, as garrafas são numeradas e cada uma vazia custa R$10,00. Tudo bem! Fiquei contente em levar apenas a bala mocinho por R$ 0,10 cada.

Como escrevi, as expressões podem fazer parte um capítulo, e já no início da reunião, uma delas solta: “tororó de parpites”.Fantástico! Daí em diante surgiram: “Capaz!”, “lomba”, “sinaleira”... Mas, para escrever esse parágrafo dedicado às expressões, recorri ao dicionário que comprei, e destaquei algumas muito curiosas. Tem uma série de expressões que fazem referências às personagens e personalidades, vamos a elas: “aí adeus, Tia Chica” (no sentido de nunca mais), “Alzira” (azar), “Joãozinho do passo certo” (sujeito que se julga esperto), “Pedro e Paulo” (dupla de guardas, conhecidos no Rio como Cosme e Damião), “chamar o Hugo” (o nosso “chamar Raul”), “Gilda” (sorvete de creme com coca-cola, com sorvete de chocolate é vaca-atolada), “casa do Badanha” (lugar longe), “Magal” (sujeito mal arrumado ), “ Tarzan-minhoca” (o sujeito que pretende ser forte, sem ser ), “ir no Miguel” (ir ao banheiro)... E outras que, só pela expressão, são muito engraçadas: “tô feio mas tô quentinho”(mal vestido no frio), “tá com o pé que é um leque” (pronto para fazer malandragem), “rente que nem pão quente”(fazer alguma coisa rapidamente), “jurupoca vai piar” (essa é conhecida, alguma coisa ruim vai acontecer), “surfar na polenta” (o nosso “escorregar na maionese”), “dê-le que te dê-le”(expressão para descrever o esforço de uma tarefa) , “firme na paçoca” (estar bem), “botando o sarampo pra fora” (quando alguém está usando roupa de frio, mas a temperatura está amena), “o ó do bobó”(usado para elogiar uma situação ou usada como o nosso “ó do borogodó”), “bater a passarinha” (desvendar o sentido obscuro de algo), “atacado das bichas”(não é uma resposta a uma ação homofóbica, mas maluco)...Por ser uma região de tradição pastoril, muitas expressões são oriundas dessa cultura, vamos a elas e outras dedicadas a natureza: “boi-corneta” (sujeito do contra), “é meu e o boi não lambe” (o nosso “é meu, eu vi primeiro”), “duro de queixo”(teimoso), “chamar na chincha” ou cincha (também conhecido por nós, mas nesse caso cincha é o nome da cinta que amarra os arreios sobre o cavalo, “dar um aperto” no sentido de chamar atenção), “bordar a orelha” (conversa ao pé do ouvido), “soltar as patas” (briga feia), “piá” (garoto), “bacuri” (criança), “cabelinho de sapo”(distância curta), “chá de pera” (o nosso “segurando vela”)... A influência da colonização territorial (portuguesa e alemã), ou não (americana, italiana e francesa), e a proximidade dos países de língua espanhola (Argentina e Uruguai) permitiram também uma gama de outras expressões, por exemplo: “bicha” (fila) e “cacetinho” (tipo de pão) como em Portugal, “tchuco” (bêbado) de origem italiana,”sumanta de laço” (surra) originário do espanhol platino, e “banzo” (ônibus ) corruptela do inglês, pronunciado “bâs”.

Mas, como eu estava escrevendo, o convite para a visita a futura sede da Fundação Iberê tinha me deixado entusiasmado. Chegando lá, fomos recebidos pelo Fábio Coutinho, o engenheiro Canal e o Justo. Marta sempre ao meu lado. O engenheiro Canal me mostrou toda a obra com requinte de quem explica uma receita de bolo de família. Cheia de ingredientes frescos e de qualidade, técnicas inusitadas e preparos requintados para o bolo não queimar ou solar. Esse bolo estava me parecendo apetitoso demais! O desafio de não tornar o Museu (sim, na sede estará exposta e conservada o acervo do artista) em um mirante, foi resolvido pela opção de não utilizar grandes janelas para as margens do Rio. Mas, a comunicação com a natureza, o jogo de luz e espaço, características de sua arquitetura, estavam resguardados. Lembrei-me do Museu Serralves. Diante da obra, uma ponta de inveja, e na intenção de brincar com os gaúchos, perguntei: “Por que Porto Alegre?”. Semanas depois, seria, bravamente, advertido pela colega Marta: “Mas, báh! Isso é pergunta que se faça? Por que em Porto Alegre?” Mas só mesmo em Porto, minha cara Marta.

Na minha próxima visita, não vou “chupar bala” mesmo que esteja na “tiriça”ou “malecho”. Sem ser “bodoso”, muito menos “catrefa”, serei sempre “bagual” com as gurias. Não vou perder a oportunidade de experimentar a legítima torta sorvete das primas que sonharam e montaram um negócio rentável, comer um cachorro quente do Rosário em frente ao colégio do mesmo nome, e conhecer a Casa de Cultura Mario Quintana, antigo Hotel Majestic. Mas, se ainda não for dessa vez, não me escapa o bom e velho “negrinho” acompanhado de Bom Jesus.

E tenho dito, sô!

3 comentários:

Anônimo disse...

Mas bah, tchê!! Por que Porto Alegre? Isso é lá pergunta que se faça!

E tem outra coisa, o jornal Zero Hora chama-se "a" Zero Hora, com artigo singular feminino... hehehe...

Adoro ler teus textos Cacá.

Um beijo Lucia

Lilian L. disse...

Cacá,
Vc me deixou com mais saudade ainda da minha cidade!!! Ok, conseguiu se redimir dessa pergunta ultrajante hehehe. Vai dizer que Poa não é linda??

Bjo
Lilian

Cláudia disse...

Cacá, a Marta me apresentou seu blog indicando esse texto. Morri de rir. Ainda mais porque relembrei alguns termos que usava e, que, com o convívio carioca, estavam esquecidos, guardados em meu almoxarifado mental... Parabéns, grande beijo
Cláudia Krüger