domingo, 27 de maio de 2007

Quem não tem o seu sassarico?


Sassaricando, composto por 89 marchinhas organizadas por temas, enaltecendo ainda mais as suas letras, é um musical delicioso. Com pouco texto, mas com um conjunto de músicas que contam uns 60 ou 70 anos da história do Rio de Janeiro e, principalmente, do seu Carnaval. Uma equipe de primeira que aproveita muito bem a nossa música... isso tudo a Bárbara já disse. Mas o que será que ela não disse?

O que ela não disse, e nem poderia dizer, sai guardado dentro de cada um. Antes mesmo de levantar para aplaudir o espetáculo, na hora que os cantores cantam a penúltima música, “Sassaricando”, o público esquece os problemas e se veste de alegria. Lembranças de histórias, lembranças da vida dos anos 50, onde as letras maliciosas – que hoje para nós soam como ingênuas – eram proibidas as meninas direitas de cantar.

Chiquinha Gonzaga deu o seu “ó abre alas” as marchinhas, em 1899, gênero que só foi criado nos anos 20. Quem, assim como eu, que já passou dos 40, ou mesmo a molecada dos 20, não conhece alguma marchinha? A leveza, alegria e irreverência dessas músicas nos levam a um período que não existe mais. Não estou falando do Carnaval de rua, mas do espírito alegre e ingênuo que as músicas tinham. Verdadeiras crônicas bem-humoradas de nossos dias.

Muitas das músicas estão no meu imaginário. “Cadê Zazá ?... Cadê Zazá ?... /Saiu dizendo, vou alí, e volto já, / Mas não voltou porque ? Porque será ?/ Cadê Zazá, Zazá, Zazá ?” ou “Linda pastora / Morena da cor de Madalena/ Tu não tens pena / De mim que vivo tonto com o teu olhar / Linda criança / Tu não me sais da lembrança / Meu coração não se cansa / De sempre e sempre te amar” e a poderosa “Eu fui as touradas em Madri /Para tim bum, bum, bum /Para tim bum, bum, bum /E quase não volto mais aqui /Para ver Peri beijar Ceci /Para tim bum, bum, bum /Para tim bum, bum, bum”. São maravilhosas.

O espetáculo guarda algumas surpresas, como o novo arranjo para “Alá-lá-ó”, interpretada pela Juliana Diniz, neta de Monarco. É muito engraçado. É o próprio espírito irreverente desse gênero musical. Assim como, marchinhas desconhecidas para mim:“Infelizmente” e “ Não sou Manoel”, por exemplo. Os arranjos de algumas músicas são novos, liberdade que esse gênero permite. Parabéns para o diretor musical e arranjador, Luis Filipe de Lima.
Os cantores, Pedro Paulo Malta e Alfredo Del-Penho, novos para mim, são uma grata surpresa. Interpretam na medida certa as marchinhas. Sabrina Korgut é uma excelente cantora e ainda demonstra os seus dotes de bailarina para cantar “ Lig, lig, lig, lê”. Não tenho o que falar de Soraya Ravenle. Impecável. Eduardo Dussek é uma estrela. Quando ele entra algo acontece. Ele enche o palco. Possui mais carisma e empatia do que todos, mas isso não o faz melhor... não mesmo.

O meu único senão, vai para o figurino. Não sei. Fiquei na dúvida se gostei ou não. Muito pano e luxo, para um gênero tão leve e pueril. Parece-me que quiseram vestir as marchinhas para uma festa de gala, mas elas estão mais para um baile do bola-preta. Não atrapalha, até dá um brilho, mas analisando mais profundamente, achei fora de contexto. O contra-ponto vai para o baú, esse sim merecia um cuidado especial. Cenográfico demais, deixando aparente as suas estruturas, um forrinho não era má idéia.

O que mais de especial esse musical desperta, são as senhorinhas de seus mais de 70 anos, acompanharem os cantores, fazendo um coro improvisado. Tá certo que me juntei ao coro também, isso não foi privilégio apenas delas. Não precisava pedir, elas acompanhavam sem pedir licença. As mais educadas esperavam o comando, a permissão, de um dos cantores para acompanhá-los, e, normalmente, vinha do Dussek.

É um espetáculo obrigatório. Um pedaço do nosso Rio de Janeiro, por vezes tão mal-tratado, que ainda possui a alegria de se viver.

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